Como funciona o cinema africano

Na quarta edição da revista Movie, a jornalista Belisa Figueiró traçou um panorama sobre o cinema no continente africano. Quem são seus pro...

Na quarta edição da revista Movie, a jornalista Belisa Figueiró traçou um panorama sobre o cinema no continente africano. Quem são seus produtores e realizadores? Como conseguir financiamento para produção cinematográfica num continente essencialmente pobre? E por que conhecemos tão pouco sobre o cinema produzido por lá?

O ano da África

Se a atividade cinematográfica no Brasil já é marcada pelos solavancos – com momentos de profunda crise de apoio à produção e outros de euforia nas bilheterias –, na África, para alguns especialistas, não existe sequer um “cinema africano”, mas sim “cineastas africanos”. As ex-colônias francesas, principalmente, começaram a desenvolver suas incipientes cinematografias apenas a partir do final da década de 1950, quando foi decretada a independência política da maioria dos países locais. De lá para cá, os filmes que retratam as mazelas africanas ainda são filmados por diretores franceses ou imigrantes africanos que se mudaram para Paris, na grande maioria. A independência cultural autossustentável ainda está longe das perspectivas mais otimistas.

Antes de alguns cineastas locais assumirem a direção atrás das câmeras, os filmes feitos por lá eram ditos “coloniais”, com produção de países estrangeiros que filmavam o continente apenas para mostrar a fauna e o povo com um olhar exótico. De acordo com o professor de cinema da Universidade Federal da Bahia, nascido na Costa do Marfim, Mahomed Bamba, a partir da descolonização, há uma vontade de se reapropriar da cultura local e transformá-la em imagens cinematográficas. No entanto o processo foi tão frágil que os governos locais, ainda na década de 1970, mudaram o foco para o desenvolvimento da televisão.

“O cinema, quer a gente queira ou não, é uma indústria muito cara. Por isso, muitos países vão desistir e abdicar do financiamento interno para o cinema, passando a apostar muito na televisão nacional, que é um meio que fala diretamente para o público e com a qual o governo poderia dominar a opinião pública.”, conta Bamba.

Sem dinheiro ou qualquer incentivo para filmar, muitos jovens africanos que levaram esse balde de água fria acabaram buscando a formação profissional na ex-União Soviética e até mesmo na França, antigo colonizador. E, desde então, são os fundos franceses que viabilizam o cinema feito a conta-gotas em terras africanas.

O principal mecanismo de apoio francês às ex-colônias é o Fonds Sud [fundo criado pelo governo francês para viabilizar filmes de países do terceiro mundo em geral, tendo como prioridade os países africanos]. Só em 2008, de acordo com os dados oficiais do Centre National de la Cinématographie (CNC), os filmes africanos receberam o apoio de 1,1 milhão de euros para a produção. Os aportes foram destinados para Argélia, Egito, República Democrática do Congo, Zimbábue, África do Sul, Benin, Mali e Moçambique.

Investimento

Alguns países, entretanto, buscaram outras formas de fazer um cinema independente e são exceções no continente africano. A Nigéria, por exemplo, é conhecida no mundo pela sua indústria de vídeos enlatados, quase caseiros, e que chegam facilmente aos consumidores. Em Nollywood – nome que faz uma sátira não só a Hollywood, mas também à indiana Bollywood –, as cópias dos filmes são feitas de forma rápida, sem muitos cuidados artísticos ou autorais.

“No plano estético, os filmes lembram muito as telenovelas. Não há também uma preocupação com o plágio. Os diretores refilmam cenas que foram vistas em outros filmes e produzem um VHS de consumo rápido”, relata Bamba. A técnica e o suporte da vídeoprodução foram também copiados em países como Gana e Costa do Marfim, uma solução encontrada pelos diretores locais para realizarem seus filmes.

Produção em TV

Assim como os imensos desafios que os cineastas da África encontram em seus países de origem, os descendentes africanos até mesmo da segunda ou terceira geração, que nasceram na França e lá vivem, também encontram dificuldades para se encaixar na produção da televisão e do cinema francês.

Uma das expoentes e porta-voz dessa cultura chama-se Yamina Benguigui, francesa de origem argelina que retrata a questão da memória e da diáspora africana por meio da difícil integração dos descendentes à sociedade francesa. Socióloga e documentarista, Benguigui elevou os índices de audiência da televisão na França com o seriado “Aicha”, que retrata essa crise dos jovens.

A protagonista da trama é filha de imigrantes magrebinos. Por um lado, ela sofre a pressão da família e da cultura patriarcal, por outro, quer se modernizar e se encaixar no sistema francês. Porém, ao mesmo tempo, também não é aceita e não recebe apoio de nenhum dos lados para assumir a sua identidade e independência.

Percalços da Distribuição

Os filmes de cineastas africanos que remotamente chegam ao Brasil e que conseguem furar o bloqueio da distribuição são feitos em coprodução com a França e outros países europeus, ou então são exibidos por meio de mostras e festivais. Uma Canção de Amor, da diretora tunisiana Karin Albou, tem dupla nacionalidade (França/Tunísia) e foi distribuído em várias capitais brasileiras, por exemplo. Mas é uma raridade.

Atualmente, na análise da professora de cinema da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia Amaranta Cesar, a distribuição dos filmes africanos é ruim no mundo todo, incluindo nos países do continente. “No Brasil, certamente isso se deve também ao nosso modelo de distribuição e exibição de filmes; ao caráter comercial da grande maioria das salas, que são ocupadas majoritariamente pelo cinema hegemônico. Há ainda um grande desconhecimento do campo cinematográfico em geral a respeito dos filmes africanos”.

Para o professor Bamba, o Brasil, cada vez mais, “está pedindo o cinema africano”. E com a tecnologia do digital, algumas obras chegam às mostras locais por meio da Embaixada da França, que financia a distribuição mundial de DVDs dos filmes que foram coproduzidos ou patrocinados pelos fundos franceses. “Antigamente, ninguém sabia, ninguém via esses filmes africanos aqui no Brasil. Isso só acontecia nos festivais da França”, lembra Bamba. Hoje, apesar de restrito, o acesso já é possível.


Texto: Belisa Figueiró
Fonte: movie

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