Divagações: True Grit (2010)

Fazer um western hoje em dia é algo bastante complicado, afinal de contas, o público e a critica tendem a ser um pouco severos demais com...

Fazer um western hoje em dia é algo bastante complicado, afinal de contas, o público e a critica tendem a ser um pouco severos demais com um gênero que já nasceu anacrônico e, de certo modo, sem muito espaço para as sutilezas de roteiro e produção que vemos hoje em dia. Ainda mais se considerarmos que – caubóis e bandidos a parte – as empoeiradas planícies do velho oeste são uma realidade tão distante da nossa quanto Cidade de Deus é de um típico espectador americano. Quer dizer, este não é o nosso legado, nem a nossa história. Portanto, não é de se surpreender que muita gente tenha torcido o nariz pelas terras tupiniquins quando True Grit foi anunciado.

O que é bastante triste, porque vemos que o faroeste é um gênero de que pouco se fala por estas bandas, apesar de uma recente tentativa de renovar o estilo pipocando de diversos lugares. Temos o muito elogiado 3:10 to Yuma e The Assassination of Jesse James by the Coward Robert Ford, que tiveram pífias representações em solo brasileiro. Assim como diversos outros filmes que, apesar de não serem westerns propriamente ditos, incorporam muito da atmosfera que marcou todo o estilo.

Este foi o caso de No Country for Old Man, que levou as telas novamente aquela aridez e dureza dos westerns, com direito a uma trama e uma profundidade típicas das melhores produções de nossa época. Então, se os irmãos Ethan e Joel Coen flertaram com o faroeste em No Country for Old Man, é em True Grit que eles mergulham de vez no que há de melhor no gênero.

Mattie Ross (Hailee Steinfeld) é uma garota de catorze anos de gênio forte e de grande obstinação, determinada a vingar a morte de seu pai nas mãos do ardiloso Tom Chaney (Josh Brolin). Para isso, ela procura o policial federal mais conhecido da região, famoso por sua tal “bravura indômita”, Rooster Cogburn (Jeff Bridges) que, muitas vezes, se mostra apenas um sujeito beberrão e indisciplinado. No caminho, eles encontram um rival e um amigo nesta busca, o Texas Ranger LaBoeuf (Matt Damon).

Não sei se seria justo chamar True Grit de refilmagem do famoso e homônimo filme de 1969, que deu o Oscar a John Wayne. Apesar de ter muitas cenas que claramente homenageiam o seu predecessor, não é segredo que esta nova versão bebe muito mais avidamente do romance original de Charles Portis, mostrando um mundo mais duro, além de protagonistas mais maduros e lapidados do que na versão de 1969, que, querendo ou não, deixava transparecer um senso de autoparódia com Wayne no papel de Rooster Cogburn (algo como o que Clint Eastwood fez em Gran Torino, subvertendo o clássico Dirty Harry). Neste caso, Jeff Bridges caminha com facilidade fazendo o que sabe de melhor, ou seja, interpretar um sujeito caipira e canastrão que anda bêbado tempo demais (basicamente, é o tipo de papel que o rendeu o Oscar). Matt Damon, apesar da boa química em cena com Bridges, é bastante ofuscado por ele, afinal de contas, quem é que quer saber do sujeito certinho quando se tem um baderneiro por perto? E o que poderíamos falar de Hailee Steinfeld? A garota rouba a cena muitas vezes encarando os adultos de igual para igual e aproveitando tudo que o papel tem a oferecer. Apesar de não apresentar nenhum brilhantismo em True Grit, vemos que esta menina tem bastante potencial para o futuro.

Ainda assim, a parte técnica do filme está longe de ser impecável, mas o ar meio rústico não prejudica, pelo contrário, muitas vezes presta referência a obra original – apesar de existirem algumas cenas onde isto incomode um pouco, sobretudo no final do filme. A fotografia é competente, embora não explore bem algumas boas paisagens, cenas e situações que encontramos no decorrer do filme. Dando a entender que o foco é mesmo todo direcionado a história e aos personagens, alguns destes aspectos mais “mundanos” foram propositalmente deixados em segundo plano. Essa alternativa é bem provável, levando em conta que até os cartazes do filme passam aquela imagem de excessiva nostalgia, típica dos filmes dos anos 60.

Ou seja, True Grit acaba nos entregando um faroeste à moda antiga, bem servido de policiais durões, muitos tiros, uma pitada de melodrama e gente fazendo aquilo que um homem deve fazer (quesito onde Hailee vence com sobra a dupla Bridges e Damon), mas que infelizmente não consegue adicionar muito, e talvez nem ao mesmo quisesse, aos que vêem uma boa historia de xerifes e vaqueiros com certo desdém. Mesmo sem o spaghetti de Sergio Leone, True Grit é um prato cheio para aqueles que gostam do gênero.


Texto: Vinicius Ricardo Tomal
Edição: Renata Bossle

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