Divagações: The Artist

Muitos projetos que exigem coragem – e ela se manifesta de diferentes formas. Agora que o filme já ganhou cinco prêmios no Oscar, parece ...

Muitos projetos que exigem coragem – e ela se manifesta de diferentes formas. Agora que o filme já ganhou cinco prêmios no Oscar, parece que todo mundo já falou sobre a incrível ideia de The Artist. Mas faça um esforço e lembre como estava o mundo há dois anos. Quando Avatar concorria em nove categorias, as pessoas falavam apenas sobre o futuro em 3D e as novas tecnologias, com mundos imaginários se transformando em reais e tudo se tornando possível através da imersão possibilitada por uma tela do IMAX. Nessa realidade, onde se encaixa um filme em mudo, em preto e branco e na proporção 4:3 (aquela da sua TV antiga, de tubo). É incrível ver James Cameron fazendo Avatar, sempre mergulhando no novo e submergindo para surpreender. Mas também é maravilhoso ver Michel Hazanavicius criar The Artist. Ele olhou para uma direção completamente diferente dos demais e fez algo único com elementos que todos já conheciam tão bem que até haviam esquecido como eram bons.

É nessa nostalgia, nesse resgate, que surge The Artist. O filme conta a história de George Valentin (Jean Dujardin), um ator de grande sucesso do cinema mudo. Bem sucedido, ele não acredita no potencial do cinema falado até que é jogado para escanteio. Orgulhoso, ele tenta resolver a situação apostando em sua antiga fama, mas só encontra mais decadência. Ao mesmo tempo, uma antiga fã dele, Peppy Miller (Bérénice Bejo) começa a crescer na carreira, algo que, de certa forma, é devido aos conselhos do ídolo. Os dois são rodeados por figuras clichês de Hollywood, como a coadjuvante invejosa (Missi Pyle), a esposa infeliz (Penelope Ann Miller), o fiel motorista (James Cromwell), o produtor de cinema (John Goodman) e o cachorro superinteligente (Uggie).

A questão é que, nesse filme, não importa que os personagens sejam óbvios. É preciso ver o que os atores fazem com eles – e são coisas fantásticas. O casal de protagonistas (e não venham me dizer que Bérénice Bejo é coadjuvante!) é extremamente expressivo e passa muita emoção em cada gesto. Enquanto Jean Dujardin vai do cômico ao melodrama com facilidade e naturalidade, ela transforma uma jovem sonhadora em uma mulher batalhadora antes que você perceba o que está acontecendo. Essas transições são ainda auxiliadas por outros elementos como os figurinos e cenários, que acabam relembrando diversos bons momentos da Hollywood da época.

Inclusive, é nessa atenção aos detalhes (reparem na cena inicial e na sequencia de Bérénice Bejo com o terno, são ótimas) que se percebe o quanto esse filme de origem francesa e belga admira o cinema americano. A estrutura dos estúdios, a ascensão e queda das estrelas, os ternos, os bigodes, os casacos e os cortes de cabelo. Obviamente, muitos filmes já retrataram essa transição do cinema mudo para o falado e alguns deles se tornaram clássicos, como Singin' in the Rain, por exemplo. Ainda assim, The Artist é uma homenagem que nem os americanos poderiam fazer ao seu próprio cinema, pois traz essa capacidade de enxergar aquilo que está na frente do nariz, amando defeitos e qualidades.

Assim, não é a toa que o filme foi bem recebido por onde passou. Ele transmite apenas carinho e humildade; é uma mensagem contra o orgulho e a favor de soluções criativas. Não dá para filmar em 3D e com cores exuberantes, que tal explorar o preto e branco? Não dá para transmitir tudo em palavras, que tal uma piscadinha capaz de dizer tudo? Para quem cansou de ver os mesmos filmes de sempre, The Artist relembra o que existe de tão bom no cinema. Parabéns para os artistas Michel Hazanavicius, Jean Dujardin, Bérénice Bejo e companhia!

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