Divagações: Life of Pi

Life of Pi sempre me soou como uma obra edificante demais, daquelas que querem mostrar a glória da vida e do universo em todo o seu espl...

Life of Pi sempre me soou como uma obra edificante demais, daquelas que querem mostrar a glória da vida e do universo em todo o seu esplendor. Até entendo o apelo desse tipo de produto, mas, ao menos para mim, esse é o tipo de coisa fadada a um excesso de pretensão. O que é uma impressão ainda mais difícil de descolar quando temos um diretor como Ang Lee, que já havia alardeado o quão difícil seria colocar nas telas o livro de Yann Martel.

Afinal, essa é a história de Pi Patel (Suraj Sharma e Irrfan Khan), um garoto rodeado pelos choques religiosos e culturais trazidos pela convivência com as diversas culturas presentes em uma Índia que saiu do colonialismo ocidental há poucas décadas. Porém, sua grande jornada só começa durante a adolescência quando seu pai, Santosh (Adil Hussain), dono de um zoológico, resolve vender os animais e sair do país, levando Pi, sua mãe Gita (Tabu) e seu irmão Ravi (Vibish Sivakumar) para os Estados Unidos. Durante a viagem, o navio naufraga, fazendo com que Pi fique a deriva em um bote salva vidas, acompanhado apenas de alguns animais que fugiram durante o acidente. O maior desafio nesse ponto é lidar com Richard Parker, um enorme tigre de bengala que o acompanha durante toda sua jornada em busca de socorro e que o leva a questionar suas crenças e atitudes.

Acima de tudo, não é possível deixar de notar o apreço aos detalhes e o alto nível técnico da obra, sobretudo por se tratar de um filme feito majoritariamente em frente a uma tela verde. O capricho na produção de Richard Parker é exatamente o tipo de coisa capaz de deixar de queixo caído aqueles que, em 2005, achavam o leão Aslan de The Chronicles of Narnia: The Lion, the Witch and the Wardrobe era o pináculo da tecnologia digital. Porém, em certos momentos o excesso de plasticidade chega a atrapalhar, gerando a estranheza e a falta de um componente orgânico, tradicionalmente associada ao abuso de efeitos especiais. A fotografia também é um grande ponto forte do filme, ficando evidente a sua competência, mesmo com o problema citado acima.

Para mim, a parte mais interessante de toda a narrativa não se encontra na ‘grande jornada épica’ usada para vender o filme, mas nas pequenas histórias e nos pequenos detalhes a respeito da vida de Pi e de sua família. Apresentadas no começo do filme, essas cenas proporcionam uma dimensão mais humana, que cativa justamente pela simplicidade. Além disso, é preciso apontar que, apesar de nunca ter atuado antes, Suraj Sharma segura muito bem a onda e é uma surpresa positiva.

Do outro lado da balança, todo o grande arco dramático simplesmente falhou em me comover ou em me fazer pensar. Acredito que o enfoque dado para ‘algo que fará você acreditar em Deus’ acabou gerando muitas expectativas não cumpridas, evidenciando o descompasso entre o visual magnífico do filme e a qualidade do roteiro. Falando em visual, não achei que os efeitos 3D agregaram tanto assim à história, tendo apenas um punhado de cenas criadas especificamente para a tarefa de usar a técnica de modo competente.

De todo modo, apesar de não ter me conquistado, acredito que Life of Pi se mostrou um filme bastante interessante e que vale a pena ser visto. Aqueles espectadores que tiverem outras experiências com a questão da espiritualidade talvez sejam capazes de agregar mais ao impacto do filme, que me deixou um pouco decepcionado. Se ainda conseguir encontrá-lo em cartaz, recomendo assistir no cinema, já que um pouco da grandeza visual certamente vai se perder na televisão.


Texto: Vinicius Ricardo Tomal
Edição: Renata Bossle

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