Divagações: A Single Man

Certa vez me disseram que amar e sofrer são sentimentos que caminham lado a lado. Já tive períodos de concordância e de rejeição a essa i...

Certa vez me disseram que amar e sofrer são sentimentos que caminham lado a lado. Já tive períodos de concordância e de rejeição a essa ideia, mas concordo que perder quem se ama é um dos maiores sofrimentos que podem existir.

A Single Man conta a história de um dia na vida de George (Colin Firth), um professor inglês radicado nos Estados Unidos. Sua melhor amiga é Charley (Julianne Moore), com quem teve um breve relacionamento na adolescência. Ele está entediado com seu trabalho e perdeu o interesse pelos fatos do dia a dia. O momento histórico em que vive, a Guerra Fria, parece uma versão distorcida de sua própria realidade. Aos poucos, descobrimos o que tirou seu ânimo: a morte de seu companheiro Jim (Matthew Goode) em um acidente de carro. Em uma sociedade que não parece compreender esse tipo de relacionamento, George tem dificuldades em se encaixar e – envolto em lembranças – acaba se deixando levar pelo súbito interesse de um aluno, Kenny (Nicholas Hoult), por suas ideias.

Mesmo sendo baseado no livro de Christopher Isherwood, A Single Man é um projeto de Tom Ford por natureza. Escrito e dirigido pelo estilista em sua única investida cinematográfica até o momento, o filme tem tantos pequenos detalhes pessoais que acaba se transformando em algo íntimo. É aquele tipo de obra que existe para si e para seu idealizador. Quem assiste está tendo apenas um vislumbre de todos esses sentimentos, absorvendo apenas uma parte da imensa carga dramática que existe não em um filme, mas em uma pessoa.

Um exemplo do que digo é a família que vive ao lado de George. Em breves conversas com o protagonista, a menina da casa deixa claro que o pai não aprova gays, o que o torna incapaz de perceber o comportamento do próprio filho. Esse menino é baseado nas lembranças da infância do próprio Tom Ford. Como se isso não bastasse, o próprio diretor financiou o filme.

Filmado em apenas 21 dias, A Single Man tem um aspecto sóbrio e discreto, perfeitamente adequado à temática e à época que procura retratar. Dependente da atuação de Colin Firth (que recebeu aqui sua primeira indicação ao Oscar e seu primeiro Bafta), o filme acaba mesclando seu visual a ela. As poucas cores estão presentes quando há um brilho nos olhos do ator, com raríssimos momentos de dissonância. Mesmo que as cenas das memórias de George não funcionem muito bem devido a aspectos físicos dos atores, isso desaparece em um conjunto que preza pela harmonia.

Obviamente, o diretor teve grande cuidado com a fotografia do filme que é impecável mesmo em cenários delicados, como a casa de vidro, ou cenas externas. Como a história toda se passa em um período muito curto, todos os momentos parecem ser relevantes e possuem sua dramaticidade expressa de maneira bastante clara visualmente. Assim, o espectador é facilmente envolvido, ainda que demore um pouco para compreender tudo o que está efetivamente afetando o personagem.

O relacionamento homossexual retratado é um atenuante do drama, uma vez que isola o protagonista dos demais. O sofrimento provavelmente não seria muito diferente se fosse um casal heterossexual, mas a maneira como as coisas são colocadas torna a questão relevante. Tão lindo quanto triste, A Single Man não é um filme para se ver a qualquer momento e com um balde de pipoca na mão. É preciso prestar atenção às nuances e admirá-lo como a uma obra de arte. Não se trata de uma produção para quem tem essa ou aquela opinião, mas de um filme para pessoas sensíveis.

RELACIONADOS

0 recados