Divagações: 12 Years a Slave

Em pleno feriado de carnaval, a menor sala do complexo de cinemas do shopping está com os ingressos esgotados. O motivo? A recente vitóri...

Em pleno feriado de carnaval, a menor sala do complexo de cinemas do shopping está com os ingressos esgotados. O motivo? A recente vitória de 12 Years a Slave no Oscar, que tornou o filme instantaneamente popular. Antes, em sua semana de estreia, a produção ficou em sexto lugar nas bilheterias nacionais, atrás de RoboCop, Pompeii, The Lego Movie, The Book Thief e The Monuments Men. Será que isso irá mudar?

Com uma temática com a qual o povo brasileiro pode se identificar, o filme acaba se beneficiando disso (afinal, basebol e rugby nunca conseguem bons números por aqui), mas também saiu prejudicado ao ser comparado com novelas e outras produções. Nesse ponto destaco os argumentos do crítico André Forastieri que, ao invés de assistir e tirar suas próprias conclusões, resolveu enumerar 16 preconceitos em relação ao filme.

12 Years a Slave é baseado em um livro escrito por Solomon Northup, onde ele narra sua própria história. Solomon (Chiwetel Ejiofor) era um negro nascido livre que vivia em paz com sua família em Saratoga (Nova York) até ser sequestrado por comerciantes de escravos, que o levam para Nova Orleans. Ele passa por fazendas de algodão, onde trabalha para o comprometido Ford (Benedict Cumberbatch) e, posteriormente, o cruel Edwin Epps (Michael Fassbender).

Entre um dos temas mais abordados pelo filme, está a relação dos senhores de escravos com as mulheres negras. Eliza (Adepero Oduye) era condescendente e se beneficiava com a situação, chegando a ficar grávida de seu ‘mestre’, até ser vendida pela filha legítima dele e acabar sendo separada de seus dois filhos; outra escrava (Alfre Woodard) vive com o status de esposa, mas não é aceita socialmente e precisa relevar muitas situações desagradáveis; por fim, Patsey (Lupita Nyong'o) é desejada por seu dono e odiada pela esposa dele, o que a faz viver grandes sofrimentos.

A participação de Lupita, aliás, é menos relevante do que seu Oscar pode dar a atender, o que não quer dizer que não se trate de uma personagem forte e emocionante, pelo contrário. Patsey é uma menina esforçada e cheia de energia, que vive sem perspectivas e descobre apenas mais crueldade no mundo. Ela funciona como um contraponto aos esforços e à inteligência de Solomon, que sempre consegue achar meios de manter as esperanças. Se existe uma história que vai deixar seus olhos marejando, é a de Patsey, por mais que ela não influencie diretamente os rumos do protagonista.

Aliás, são poucos os que participam ativamente da jornada de Solomon. A maior parte dos personagens que vemos em 12 Years a Slave mostram diferentes facetas da escravidão e do contexto dos Estados Unidos, inclusive o descontrolado capataz Tibeats (Paul Dano), o homem branco que caiu em desgraça, Armsby (Garret Dillahunt), e o canadense com ideias abolucionistas, Bass (Brad Pitt).

Visualmente, a obra também segue essa tendência. O diretor Steve McQueen sabia que estava lidando com um material importante e digno de um Oscar, então, fez um trabalho impecável ao mesmo tempo em que não deixou de fazer seus experimentos. Há algumas pausas em closes levemente incômodos que tornam o ritmo do filme mais lento, mas acrescentam expressividade, valorizando o trabalho dos atores e o aspecto humano da produção. No entanto, eu me questiono se isso funcionará em longo prazo ou se fará o filme envelhecer, algo que só o tempo poderá responder.

Sinceramente, 12 Years a Slave não é um filme imprescindível, mas é uma obra humana e digna das mais de duas horas que ela consumirá de seu tempo. Você provavelmente tem consciência da crueldade que o racismo representou (e representa!), mas entrar em contato com uma história assim reacende a necessidade de continuar lutando por um mundo melhor e livre de coisas tão absurdas quanto o preconceito racial.


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