Divagações: A Clockwork Orange

Se existem dois filmes obrigatórios quando se trata de Stanley Kubrick , eles são 2001: A Space Odyssey e A Clockwork Orange . Outras pr...

Se existem dois filmes obrigatórios quando se trata de Stanley Kubrick, eles são 2001: A Space Odyssey e A Clockwork Orange. Outras produções devem brigar pelas posições seguintes, mas essas duas são unanimidade – assim como o cineasta deve constar na lista de qualquer cinéfilo em formação. Elas também são subsequentes e completamente diferentes.

A primeira contava com um bom orçamento, garantindo imagens fantásticas. O roteiro era levemente baseado em um conto e Kubrick o dotou de muitas significações. Aqui, contudo, temos o primeiro roteiro escrito apenas pelo direito, que foi muito fiel ao material original e filmou com um orçamento limitado. A Clockwork Orange também traz o início do apreço pela iluminação natural (muito pouco foi filmado em estúdio) e um foco muito maior nos personagens.

Em uma Londres do futuro, o carismático delinquente Alex (Malcolm McDowell) vive uma rotina de sexo, drogas e ultraviolência com seus amigos. Eles se vestem com uma espécie de uniforme e falam com todas as gírias possíveis. Contudo, a forte liderança de Alex começa a incomodar, a estrutura do grupo se abala e ele acaba capturado pela justiça. Na prisão, o jovem acaba descobrindo um projeto que promete liberdade em pouco tempo e se voluntaria. Após algumas sessões torturantes de filmes, ele é condicionado a não suportar mais sexo e violência, o que traz problemas quando volta a viver em sociedade.

Durante sua nada óbvia trajetória, Alex interage com diversos personagens, que reagem de formas distintas a cada novo encontro. A maior parte são vítimas em busca de vingança, mas há também antigos companheiros e até familiares. Assim, nenhum ator ganha tanto destaque quanto Malcolm McDowell, que domina toda a produção e é essencial para garantir o tom desejado, com uma performance – e uma narração – que mescla seriedade e jocosidade.

A violência é o grande tema, seguida de perto pelo livre-arbítrio. Embora pareça exalar um sentimento de desesperança, A Clockwork Orange está apenas levantando questões e Kubrick não gosta de entregar as respostas facilmente. Quando a produção foi lançada e alguns criminosos se ‘inspiraram’ na obra, o diretor impediu a distribuição no Reino Unido, temeroso após ter recebido diversas ameaças de morte. Realmente, não dá para negar que algumas sequências são chocantes até hoje, mas isso faz parte da natureza contraditória de um filme sobre alguém que é ‘traumatizado’ pela exposição forçada a imagens de violência.

Com um visual estilizado e o forte apoio da música, a sociedade suja e corrupta parece ser adorada. Kubrick usa todos seus recursos de câmera para nos aproximar dos personagens, especialmente do pior de todos, o protagonista. Mas devemos ter tanta repulsa assim por um lado incontestável da natureza humana ou só estamos fingindo que detestamos Alex para convivermos melhor em sociedade? Definitivamente, não é um estilo de vida que eu seguiria, mas o considero compreensível (e terrivelmente próximo).

Vale observar que esse foi um dos filmes que Kubrick – conhecido pelo seu perfeccionismo e pela repetição – fez com maior agilidade. O resultado é precursor dos diálogos rápidos e espertos tão valorizados atualmente. Ao mesmo tempo, há quem diga que a produção prega uma ideologia barata, mas não acredito que ela queira ser seguida. A Clockwork Orange não foi feito para ser idolatrado, mas para ser assistido, filtrado, conversado e pensado.

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