Divagações: Dr. Strangelove or How I Learned to Stop Worrying and Love the Bomb

Tenho a impressão que muitas pessoas associam o estilo exigente e técnico de Stanley Kubrick a filmes sérios e pesados. Contudo, é preci...

Tenho a impressão que muitas pessoas associam o estilo exigente e técnico de Stanley Kubrick a filmes sérios e pesados. Contudo, é preciso observar que o humor está bem presente em praticamente todas as suas obras. Em Lolita, por exemplo, todos os adultos são exagerados e consequentemente cômicos (apenas a protagonista parece se levar a sério). Já Dr. Strangelove or: How I Learned to Stop Worrying and Love the Bomb é uma comédia por natureza, embora não deixe de tratar de assuntos relevantes. Em Kubrick, o humor pode não ser sempre óbvio, mas ele é essencial para garantir o nível de cinismo e ironia desejados.

Feito em 1964, quase vinte anos após os bombardeios em Hiroshima e Nagasaki e ainda durante a Guerra Fria, o filme explora uma possibilidade trágica. Enlouquecido, o general Jack D. Ripper (Sterling Hayden) dá início há um plano que envolve um bombardeio com ogivas de hidrogênio na Rússia, sem saber que o país desenvolveu outra arma, capaz de provocar o fim a vida na superfície terrestre.

Para tentar impedir isso, diversas lideranças militares e políticas, incluindo o presidente dos Estados Unidos, Merkin Muffley (Peter Sellers), se reúnem na Sala de Guerra. Entre as figuras de destaque na discussão estão o inflamado general Buck Turgidson (George C. Scott), o embaixador russo Alexi de Sadesky (Peter Bull) e o especialista em armas Dr. Strangelove (Peter Sellers), que também é um ex-nazista (!) levemente fora de controle.

Grande destaque da produção, Sellers interpreta ainda o capitão Lionel Mandrake, um britânico que tenta lidar com Ripper após seu acesso de loucura. O ator, dando continuidade ao que havia realizado em Lolita, trabalhou com bastante liberdade e trouxe um ar de exagero e farsa que combina com a ironia do filme.

Kubrick acompanha a deixa especialmente no cenário em que Sellers não está presente – o avião rumo à Rússia. Nele, acontecem as sequências mais escrachadas, onde o estadunidense comum é retratado. Segundo alguns relatos da época, Slim Pickens, que interpreta o major King Kong, não sabia que se tratava de uma comédia e interpretou seu papel seriamente.

Aliás, o livro original de Peter George – que assina o roteiro ao lado de Kubrick e de Terry Southern – não é engraçado. A ideia de assumir um lado de satírico veio do próprio diretor, após começar a trabalhar com o material. Para alcançar o efeito desejado, ele chamou Southern e alterou o nome de diversos personagens. Muitas das piadas se perdem para o público brasileiro, mas a maior parte dos nomes envolve trocadilhos.

Indicado em quatro prêmios no Oscar – Melhor Filme, Melhor Direção, Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Ator (Peter Sellers) – Dr. Strangelove or: How I Learned to Stop Worrying and Love the Bomb marcou a estreia de Kubrick na cerimônia da Academia, embora sua única estatueta tenha sido pelos efeitos especiais de 2001: A Space Odyssey (e ele não estava presente na ocasião). Mesmo sendo uma produção sobre um momento histórico pontual, o filme se mantém atual pelo seu retrato inteligente dos políticos, dos militares e da burocracia da guerra. Afinal, a ignorância patriótica não deve terminar tão cedo.

Fazer comédia com um assunto tão sério e delicado é como andar sobre uma corda bamba carregando uma cesta cheia de gatinhos. Cada passo precisa ser absolutamente preciso e cuidadoso, além disso, há um elemento atrapalhando seu balanço, mas é essencial que você não o derrube. Kubrick não só encarou o desafio como fez um dos melhores filmes da história (atualmente, ele está na posição 44 no ranking do IMDb). Dr. Strangelove or: How I Learned to Stop Worrying and Love the Bomb é um soco na boca do estômago – no bom sentido.

Outras divagações:

RELACIONADOS

0 recados