Divagações: Selma

Em 2013, tanto The Butler quanto 12 Years a Slave trouxeram exemplos históricos das dificuldades que a comunidade negra sofreu nos Esta...

Em 2013, tanto The Butler quanto 12 Years a Slave trouxeram exemplos históricos das dificuldades que a comunidade negra sofreu nos Estados Unidos. Assim, quando Selma surgiu em 2014, o filme parecia uma consequência do que já havia sido explorado, quase como o seguidor que uma nova ‘moda’. Na temporada de premiações, o filme era frequentemente citado como estando entre os ‘injustiçados’ e parecia ter poucas chances de forma geral – levou para casa uma estatueta por Canção Original, mas a única outra lembrança foi a indicação a Melhor Filme.

Contudo, Selma é um filme bem diferente do que vimos no ano anterior ao seu lançamento. O filme é sobre uma luta, sim, mas ela é contada de uma forma diferente, sem apelar para as lágrimas em nenhum momento. Esse é um filme sobre os bastidores, sobre as pessoas que manipulam o senso comum, sobre quem toma as decisões. Há egoísmo, há atitudes moralmente questionáveis e há, também, boas intensões. Afinal, os fins eram bem claros.

No início da década de 1960, a comunidade negra já havia conquistado o direito de igualdade, mas ele não funcionava muito bem na prática. No Alabama, as regras eleitorais não favoreciam a emissão de títulos e a população não se via representada nas eleições. Assim, o líder Martin Luther King Jr. (David Oyelowo) resolveu tomar esse ponto como uma prioridade, colocando em risco suas boas – mas já frágeis – relações com o presidente dos Estados Unidos, Lyndon B. Johnson (Tom Wilkinson) por meio da organização de uma marcha de Selma a Montgomery, um total de 16 quilômetros.

Para os brasileiros, a história é interessante, mas a verdade é que não conhecemos os grandes líderes desse movimento. Ainda assim, vale prestar atenção em personagens como Coretta Scott King (Carmen Ejogo), Annie Lee Cooper (Oprah Winfrey), Andrew Young (André Holland), Bayard Rustin (Ruben Santiago-Hudson), Ralph Abernathy (Colman Domingo), Diane Nash (Tessa Thompson) e James Bevel (Common). Nenhum deles chega a dominar a tela, mas eles nos ajudam a perceber um quadro mais amplo, cheio de ideias diferentes sobre os rumos da luta pela igualdade.

Na verdade, esse é um filme direcionado muito mais pelos acontecimentos que pelos personagens. Por mais que o roteiro de Paul Webb seja perceptivelmente mais concentrado em Martin Luther King Jr., a mão firme de Ava DuVernay deu o tom sério e regrado da produção. Sinceramente, não havia um problema em Selma apelar para a emoção, mas a opção por não fazer isso tão abertamente (obviamente, há sequências mais dramáticas) faz com que esse seja um filme sobre as lideranças e não sobre o povo. Por mais que tenha contado com grande apoio popular para acontecer, a marcha é mostrada aqui como um ato político cuidadosamente orquestrado.

Absolutamente sutil, a produção não pinta seus personagens com uma cor única e deixa as hesitações falarem mais do que os diálogos. Nesse raciocínio, David Oyelowo entrega uma performance primorosa, especialmente ao lado de Carmen Ejogo. Consigo entender porque ele não foi indicado ao Oscar, já que a performance é tão natural e simples que não parece exigir tanto do ator quanto um papel dessa magnitude pediria – embora, suponho que as dificuldades para conseguir esse resultado sejam tremendas.

Selma não quer colocar seus líderes em um pedestal e entende que a luta é feita pelo povo, mas com grande auxílio de quem assume os bastidores políticos. Essa é uma produção para ser analisada e vista com atenção, convidando seus espectadores a relembrarem os fatos reais e questionarem, não somente o que julgavam saber, mas também o que é mostrado na tela.

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