Divagações: Macbeth

Adaptar um texto de William Shakespeare sempre é um exercício de criatividade. Mesmo tendo sido escrita no começo do século 17 e tendo r...

Adaptar um texto de William Shakespeare sempre é um exercício de criatividade. Mesmo tendo sido escrita no começo do século 17 e tendo recebido bilhares de adaptações (seria impossível contar, mas eu não duvido), uma peça como Macbeth continua chamando atenção de atores, produtores, diretores e, claro, do público.

Em sua visão, Justin Kurzel carregou nas tintas. A versão de Macbeth que o diretor levou para as telas caprichou não somente no visual, mas manteve todo o peso do texto original (ainda que com muitos cortes). O filme também se apoiou em uma trilha sonora trágica e belicosa, composta por Jed Kurzel (irmão do diretor) e em atores que não tem medo de enfrentar tudo isso e que continuarão sendo essenciais.

Vou começar pelo visual, que é realmente impactante. A edição e a direção de fotografia, juntas, foram responsáveis por alguns dos melhores quadros que vi no cinema em um bom tempo. Apenas observando a forma cada nova cena é construída, não há como negar o efeito dramático que resulta disso tudo. A paleta de cores privilegia os tons acinzentados e o vermelho desde o princípio, garantindo uma coerência brutal e bela, exatamente como Macbeth deveria ser.

Os cenários, os figurinos e a música ajudam na criação desse universo. É neles que resta a responsabilidade de transportar o público para a Escócia do século 16, com suas disputas por poder, suas névoas e sua cultura isolada. Mesmo sendo uma realidade muito distante do público brasileiro, a viagem é mais do que crível.

Macbeth (Michael Fassbender) é um corajoso nobre escocês, que lidera suas tropas contra traidores e luta em nome do rei Duncan (David Thewlis). Após uma terrível batalha, ele recebe de misteriosas mulheres a profecia de que, um dia, será o rei da Escócia – mas que apenas os filhos de seu companheiro Banquo (Paddy Considine) formarão uma linhagem de reis. Tomado pela ambição e influenciado por sua esposa (Marion Cotillard), Macbeth se deixa levar pela profecia e começa a sofrer as consequências de seus atos.

Os horrores da guerra, a perda de um filho, a morte de jovens, um assassinato cruel. As motivações estão bem estabelecidas e são essenciais para que essa adaptação de Macbeth funcione. Justin Kurzel optou por diminuir o impacto dos fantasmas, mas manteve a loucura, ainda que não de forma tão exagerada quanto vista anteriormente.

Ainda assim, ao lidar com imagens tão pesadas intercaladas com os atores verdadeiramente recitando longos trechos de um texto denso, o filme acaba tendo sérios problemas de ritmo. Mesmo com uma história cativante e uma edição atenta a cada detalhe, não duvido que boa parte do público simplesmente deixe a atenção vagar em algumas sequências, especialmente ao final do primeiro ato e durante a cena do banquete.

Macbeth é, provavelmente, um dos filmes mais bonitos dessa temporada. Ao mesmo tempo, seu texto, seu visual e toda a proposta também o tornam um dos mais inacessíveis para um público amplo (a estreia na véspera do Natal e a concorrência com Star Wars: Episode VII - The Force Awakens também não devem ajudar). É uma obra que deve passar despercebida pelos cinemas brasileiros, mas que merece ser descoberta (e redescoberta) por todos que estão em busca de uma experiência cinematográfica absolutamente única. Macbeth é um daqueles filmes que grita: “sim, cinema é arte”. Mas isso vem com consequências.

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