Divagações: Interiors

Se Annie Hall foi o ponto de virada na carreira de Woody Allen – quando ele decidiu tentar coisas diferentes da comédia aberta e absolu...

Se Annie Hall foi o ponto de virada na carreira de Woody Allen – quando ele decidiu tentar coisas diferentes da comédia aberta e absolutamente exagerada, aprofundando-se no cotidiano – Interiors é o primeiro passo desse novo caminho. E ele foi dado com bastante força, apenas para provar que o cineasta não faz nada sem completo envolvimento.

Primeira obra dramática na carreira do diretor, essa produção tem um texto assumidamente baseado em Anton Tchekhov, o que demonstra mais uma vez as influências da produção literária russa. Sem músicas, efeitos especiais e outras firulas, todo o drama é apresentado de maneira bastante seca.

Aliás, a gana de finalmente fugir do humor é tão enfatizada em Interiors que, mesmo quando os personagens eventualmente se divertem, os motivos dos sorrisos nunca são mostrados. É estranho pensar nisso, mas em sua insistência para sair dos rótulos preestabelecidos, Woody Allen se revelou igualmente, deixando claro seu estilo determinista como narrador e sua forma de fazer cinema.

A história se desenrola ao redor de um drama familiar que pode até parecer banal nos dias de hoje. Ainda assim, a trama é tratada com toda a intensidade com que seria vivenciado pelos personagens, principalmente quando se considera o nível intelectual e artístico que eles almejam. Sob certos aspectos, parece mais teatro que cinema.

Eve (Geraldine Page) é uma mulher doente, com um histórico de passagens por instituições e por tratamentos debilitantes. No ponto em que tudo começa, ela está obcecada por seu trabalho como decoradora de interiores e em constante negação de seu divórcio com Arthur (E.G. Marshall), que, por sua vez, vive um romance com a extravagante Pearl (Maureen Stapleton). Assim, sua filha do meio, Joey (Mary Beth Hurt), assume boa parte das responsabilidades de cuidar da mãe, o que também atrapalha seu relacionamento com Mike (Sam Waterston).

A situação também afeta as duas outras irmãs. A mais velha é a poeta Renata (Diane Keaton), que também é a mais bem sucedida artisticamente e na vida pessoal, tendo uma filha com o romancista Frederick (Richard Jordan) – uma imagem que não deixa de ser apenas uma fachada quando seu cotidiano é mostrado. Já a mais nova é a constantemente ausente Flyn (Kristin Griffith), que trabalha como atriz (de televisão, o que também a frustra) e é considerada a mais bonita.

De certa forma, Interiors é muito mais um filme sobre a dinâmica entre as irmãs que sobre a situação da mãe. Joey e Renata, especialmente, têm uma relação delicada. A primeira sofre pelo peso das expectativas não realizadas que seus pais têm em relação a ela, além de sua própria falta de identidade profissional e de uma espécie de culpa por ter sido a mais amada pelo pai. Já Renata se ressente pela falta de carinho na infância, tem medo pela constante identificação com a própria mãe e se esconde por trás de uma máscara de confiança; as fissuras em seu casamento ficam ainda mais expostas com a presença de Flyn, que atrai olhares nada discretos de seu marido.

Ao explorar esse contexto e não aparecer no filme, Woody Allen deixa claro que merece ser levado a sério como diretor e roteirista (ele nunca exigiu isso de sua persona como ator). Se todas as suas obras são autobiográficas, em Interiors ele leva um pouco de si para cada uma das irmãs, explorando diferentes facetas. A obra expressa um desejo de ser considerado um profissional maduro e competente, algo que nem ao menos deveria ter sido questionado por quem viu seus filmes anteriores com atenção. Ainda assim, são as inseguranças que moldam o artista.

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