Divagações: Manhattan

Dizem as lendas hollywoodianas que, depois de Annie Hall , Woody Allen recebeu carta branca para fazer o que quisesse dali em diante. Nã...

Dizem as lendas hollywoodianas que, depois de Annie Hall, Woody Allen recebeu carta branca para fazer o que quisesse dali em diante. Não duvido que tenha acontecido algo assim. Filmar em preto e branco, por exemplo, costuma ser uma boa experiência criativa para a equipe técnica, mas é sempre uma escolha pouco comercial e evitada pelos estúdios. Ainda assim, o cineasta conseguiu não somente filmar em preto e branco, mas também conquistou o direito de que sua obra seja sempre exibida no formato em que foi filmada, sem cortes para se adaptar ‘ao formato de sua tela’ (vocês se lembram dessa mensagem, comum nos DVDs de alguns anos atrás?).

Manhattan, além de ser uma aula de como fazer cinema, é uma experiência narrativa difícil de classificar. Até então, Allen era fiel aos gêneros que assumia; essa obra, contudo, mistura romance, drama, comédia e cotidiano de uma maneira única. Por mais que esteja constantemente em listas das ‘melhores comédias de todos os tempos’, essa não é uma produção que estimula risadas abertas e constantes – mas tem seus bons momentos.

A história gira em torno das desventuras amorosas de Isaac (Woody Allen), um roteirista televisivo que larga seu emprego em um acesso de raiva e, desempregado, baixa seu padrão de vida para se dedicar a escrever um livro. Aos 42 anos, ele namora a jovem Tracy (Mariel Hemingway), de apenas 17. Quando se torna perceptível que ela está se apaixonando, ele a afasta.

Ao mesmo tempo, Isaac começa a se envolver com Mary (Diane Keaton), uma mulher intelectual e ex-amante de seu melhor amigo, Yale (Michael Murphy). O relacionamento dos dois é um grande clichê, impulsionado por uma tensão criada após uma péssima primeira impressão. Para fechar o quadro, uma de suas ex-esposas, Jill (Meryl Streep), está escrevendo um livro onde promete contar intimidades do relacionamento dos dois, especialmente do final, incluindo detalhes dos quais ele admite não se orgulhar (um deles seria uma tentativa de atropelar a namorada dela).

Tudo isso poderia ser um drama pesado, mas a trilha sonora bem utilizada, as tiradas cômicas e o texto de Allen facilitam bastante a digestão. Seu protagonista é um homem que, apesar do constante descontentamento, está se deixando levar pela vida e, logo na abertura do filme, ele o compara a própria cidade de Nova York. O filme se aproveita disso e abusa em retratar os principais pontos turísticos da cidade. Em preto e branco, eles ficam ainda mais poéticos.

Há também toda a polêmica pelo envolvimento com uma menina menor de idade. O filme deixa claro que os dois mantêm relações sexuais e isso rendeu à obra uma classificação etária alta, mesmo sem nenhuma cena mais forte. Pelas polêmicas atuais envolvendo o diretor, o assunto acaba se tornando ainda mais delicado, mas ele é explorado a partir das inseguranças, o que também suaviza a abordagem.

Vale também mencionar que essa é a última parceria relevante de Allen e Diane Keaton, encerrando uma fase que foi muito positiva criativamente para o diretor. Considerado um inesperado sucesso comercial, Manhattan não é um dos filmes mais fáceis do diretor e até mesmo ele alega se surpreender com a boa recepção.

A produção mantém as referências intelectuais presentes anteriormente, lida com relacionamentos complexos, usa de cenários e músicas para explicar sentimentos e coloca o cômico para disfarçar frustrações. Por mais que seja um dos filmes mais famosos de Allen, ele é um cartão de visitas dúbio e que necessita de algum conhecimento prévio para melhor apreciação.

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