Divagações: Radio Days

Ao longo de sua carreira como diretor e roteirista, Woody Allen se descobriu bom em retratar o cotidiano. Em Radio Days ele tenta fazer...

Ao longo de sua carreira como diretor e roteirista, Woody Allen se descobriu bom em retratar o cotidiano. Em Radio Days ele tenta fazer isso de um jeito um pouco diferente – retratando um dia a dia nostálgico, repleto de memórias de infância. Para isso, ele visitou seu próprio passado, selecionou suas músicas favoritas e tirou da memória diversos programas de rádio, fatos marcantes e personalidades.

Embora não seja exatamente fiel aos fatos, dando-se a liberdade de adaptar e exagerar muita coisa, o longa-metragem é relativamente fiel ao período que procura retratar, o começo da década de 1940. Um exemplo disso é a história de Polly Phelps, que a família acompanha pelo rádio. Ela aconteceu de verdade com uma menina chamada Kathy Fiscus. Também há quem diga que realmente existia a possibilidade de que embarcações alemãs pudessem ser vistas do litoral de Rockaway (NY).

Em Radio Days, Woody Allen é apenas o narrador de suas aventuras infantis. Joe (Seth Green) vive com os pais (Julie Kavner e Michael Tucker), os tios e os avós em uma casa grande, mas lotada. Como cada um tem seu programa favorito, o rádio passa praticamente o tempo todo ligado. O menino tem predileção pelas aventuras do herói Masked Avenger (Wallace Shawn), mas há quem prefira acompanhar os cafés da manhã de Irene (Julie Kurnitz) e Roger (David Warrilow) ou até mesmo um ventríloquo (sim, pelo rádio!).

Visto a partir dos olhos do menino que cresceu, os adultos têm personalidades exageradas e cartunescas, o que resulta em boa parte do humor do filme. Passivo e observador, o protagonista se deixa levar pelas diversas influências que recebe dentro de casa, especialmente pela tia solteirona Bea (Dianne Wiest). Já adulto, ele intercala suas lembranças com curiosidades sobre os bastidores do rádio, incluindo detalhes sobre a trajetória da atriz, cantora e apresentadora Sally White (Mia Farrow).

Como se não bastasse, também há certa nostalgia para os fãs dos filmes do cineasta. Entre os atores que fazem participações especiais estão Jeff Daniels, Danny Aiello e, ainda mais importante (e sem falas), Diane Keaton. Além disso, também dão as caras nomes como Larry David e William H. Macy.

O resultado disso é que Radio Days não chega a ter uma trama ou linha narrativa clara. São diversos episódios, muitos associados a músicas que simplesmente começam a tocar no rádio. Ainda assim, a produção consegue manter a atenção do espectador que um dia já foi criança e consegue se relacionar emocionalmente com os personagens. Desde a emoção de ganhar um presente inesperado ao desespero por ter manchado o casaco que a mãe ganhou de aniversário de casamento, muitas coisas foram retratadas em menos de uma hora e meia.

Para quem não tem muitas saudades do tempo de criança, há ainda toda a parte sobre o glamour (ou a falta dele) entre as celebridades do rádio. São os anos 1940 retratados com todo o charme das festas, das roupas e dos comportamentos ‘refinados’. Embora isso seja importante para a compreensão do protagonista e da realidade que o cerca, a trama que envolve a personagem de Mia Farrow é relativamente sem sal em comparação com o dia a dia da família da periferia.

Radio Days é, de uma maneira bem própria, um dos filmes mais assumidamente autobiográficos de Woody Allen. Engraçado nos detalhes, cativante no contexto e caprichado em sua execução, o filme não é um dos trabalhos mais brilhantes da carreira do diretor, mas talvez seja um dos mais humildes e sinceros.

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