Divagações: Stardust Memories

Woody Allen é um cinéfilo brincando de ser diretor. Um contador de histórias intelectual que percebe que estão prestando atenção e, entã...

Woody Allen é um cinéfilo brincando de ser diretor. Um contador de histórias intelectual que percebe que estão prestando atenção e, então, resolve se aparecer um pouco. Stardust Memories surge nesse momento em que, mais maduro e seguro de si, ele resolve homenagear abertamente alguns de seu ídolos.

Não que o cineasta nunca tivesse feito isso antes – seus filmes são repletos de referências a Ingmar Bergman, por exemplo. Mas aqui ele decide encarnar a persona do diretor italiano. Filmando novamente em preto e branco, Allen evoca Federico Fellini e cita Vittorio De Sica, critica os críticos, faz piada com os estúdios, irrita os parentes, ri dos fãs e perde-se entre as mulheres. Ele também se expõe e derrama um pouco do seu próprio sangue, mas usa bem a máscara de um personagem para misturar realidade e ficção. A linha é tênue, mas bem maleável.

Stardust Memories se passa durante um longo final de semana, quando um diretor de cinema, Sandy Bates (Woody Allen), comparece a um festival que está fazendo uma retrospectiva de seu trabalho. Além de rever seus filmes e lidar com alguns fantasmas de seu passado – especialmente a atriz e ex-namorada Dorrie (Charlotte Rampling) –, ele precisa terminar seu mais novo filme, que corre o risco de ser tesourado pelo estúdio por ser realista demais (por mais que as poucas sequências mostradas pareçam ter saído de um sonho). Na vida pessoal, ele não sabe para onde caminha seu relacionamento com Isobel (Marie-Christine Barrault) e já começa a olhar para Daisy (Jessica Harper).

Brincando de ser um filme sobre um filme sobre um filme (ou talvez não exatamente isso), a produção brinca com a repetição para criar o humor. Essa não é uma estratégia comum para Allen, que sempre preferiu as tiradas rápidas, mas não é como se elas também não marcassem presença.

Nesse contexto, os elementos autobiográficos também fazem parte da graça. Depois de Interiors e Manhattan, é engraçado ver o diretor recebendo constantemente o comentário “eu gosto dos seus filmes, especialmente dos primeiros, os engraçados”. Lidar com a necessidade de trazer comédia passa a ser um problema cômico.

O protagonista é constante e exageradamente assediado por fãs, familiares, executivos de estúdios e pedidos de doações. Todos querem algo e ele é bastante solícito na maior parte do tempo, mas a sensação de agonia é crescente e garante a parte dramática do filme. Esse equilíbrio entre ‘fazer um cinema sério e respeitável’ e ‘ser engraçado’ é trazido como um dilema temático e colabora para o divertido aspecto metalinguístico de Stardust Memories.

Na frequente e inevitável comparação com , Woody Allen sai perdendo. Suas reclamações como artista são vazias, seus relacionamentos patéticos e ele falha em encontrar qualquer tipo de resposta. E fica muito claro que ele sabe disso. Talvez ele nunca tenha tido o objetivo de ‘ganhar’, embora suponho que seja um pouco frustrante não ter produzido sua própria obra-prima a partir de uma ideia bastante similar.

Isoladamente, Stardust Memories é uma produção divertida. Ainda assim, não é uma das mais brilhantes da carreira do cineasta. As personagens femininas não têm o mesmo impacto sem a presença de Diane Keaton e a própria persona do diretor enfrenta uma crise de identidade. Suponho que, naquele momento da carreira, esse filme simplesmente precisasse ser feito, apenas para que ele pudesse abrir espaço para novas experimentações.

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