Divagações: Zelig

Uma ideia na cabeça e uma câmera na mão. Essa frase normalmente atribuída ao diretor brasileiro Glauber Rocha (há controvérsias sobre a ...

Uma ideia na cabeça e uma câmera na mão. Essa frase normalmente atribuída ao diretor brasileiro Glauber Rocha (há controvérsias sobre a autoria) poderia muito bem ser aplicada a Woody Allen. Cada um de seus filmes explora um conceito – quanto mais simples, melhor – e consegue extrair uma quantidade enorme de piadas diferentes a partir da mais simples das premissas.

É isso o que acontece com Zelig. A produção acompanha o mistério que envolve a estranha condição de Leonard Zelig (Woody Allen), um homem capaz de se transformar naqueles que o cercam. Além de não ter dificuldades em se passar por profissionais de diversas áreas, ele também adquire características físicas muito rapidamente, sendo capaz tanto de se transformar em uma pessoa obesa quanto de se passar por chinês ou negro. Ao invés de se utilizar disso para aplicar golpes ou algo assim, ele vai parar em um hospital, onde diversos médicos tentam diagnosticá-lo, com destaque para a psiquiatra Eudora Nesbitt Fletcher (Mia Farrow).

Os ‘dramas’ da vida desse personagem, seus diversos tratamentos e a cobertura da mídia sobre o assunto aparecem no filme, que traz tudo isso em um formato de documentário. Esse recurso, que eventualmente entra em moda no cinema hollywoodiano, é mantido intacto durante toda a produção, que segura bem a estratégia ao intercalar as filmagens com imagens reais da época – a propósito, tudo se passa nas décadas de 1920 e 1930.

Aliás, um detalhe tão trivial como pode parecer o período histórico fez bastante diferença para a produção de Zelig. Woody Allen efetivamente usou lentes, câmeras e equipamentos de som do período para garantir autenticidade. Esse compromisso foi mantido pelo laboratório responsável pela revelação, que retirou alguns de seus técnicos da aposentadoria especialmente para esse projeto. O único detalhe é que não era possível fazer o envelhecimento mecanicamente, então, a equipe precisou amassar e pisar o filme.

O resultado de tanto trabalho pode passar desapercebido para a maior parte das pessoas, mas é esse apego aos detalhes que faz a produção funcionar tão bem como um falso documentário. O esforço foi tanto que, embora tenha começado a ser filmado antes de A Midsummer Night's Sex Comedy, a produção continuou com Broadway Danny Rose e o diretor de fotografia Gordon Willis chegou a declarar que achou que o longa-metragem nunca seria concluído.

Além disso, as imagens originais da época inseridas durante a edição acabam funcionando harmonicamente com o conjunto da obra. Entre as figuras históricas presentes nas imagens de arquivo estão: Fanny Brice, James Cagney, Al Capone, Charles Chaplin, Marion Davies, Marie Dressler, F. Scott Fitzgerald, William Randolph Hearst, Adolf Hitler, Charles Lindbergh, Carole Lombard, Pius XI e Dolores del Rio (apenas para citar alguns).

Como se não bastasse, o humor está afiado. Sem poder abusar de suas tiradas rápidas – há muita narração, alguns depoimentos e bem menos diálogo que o normal – Woody Allen apelou para as referências visuais e para todo o absurdo da situação.

Talvez Zelig não seja exatamente um longa-metragem que agrade ao público atual. Ainda assim, quem gosta de cinema e/ou de História deve se divertir com o que a produção tem a oferecer. De forma geral, o filme funciona melhor do que eu poderia esperar em um primeiro momento e é boa a sensação de ver que o cineasta optou pelos caminhos certos nessa produção.

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