Divagações: The Revenant

Birdman foi um dos filmes que mais me empolgou no ano passado, sendo uma das poucas obras na minha memória recente que foi capaz de me de...

Birdman foi um dos filmes que mais me empolgou no ano passado, sendo uma das poucas obras na minha memória recente que foi capaz de me deixar completamente maravilhado. Mais um ano se passa e Alejandro González Iñárritu chega novamente às portas da Academia com um filme aclamado e que, muito provavelmente, seria finalmente capaz de dar um Oscar a Leonardo DiCaprio.

Não é à toa que coloquei muita expectativa sobre The Revenant. Afinal, somada a fotografia sempre espetacular de Emmanuel Lubezki (que arrisca ganhar o seu terceiro Oscar consecutivo) e a volta ao cinema ocidental do compositor Ryuichi Sakamoto, não havia muito espaço para o fracasso.

Ainda assim, preciso dizer que o longa-metragem se mostrou uma obra muito diferente do que eu esperava – não necessariamente pior ou melhor, mas definitivamente diferente. Enquanto Birdman é um filme bastante intimista sobre questões da existência humana pós-moderna, como ego, fama, a natureza da arte e do próprio papel do ator, The Revenant não tem muito dessa energia. O filme é algo mais contemplativo e, por vezes, maior do que a vida. Ainda que seja uma história mais ou menos real, o problema maior não está na jornada do protagonista, mas no reconhecimento da sua vulnerabilidade perante forças maiores que as dele. Saem os temas contemporâneos e entram motivos mais universais, como família, sobrevivência e vingança.

Passando-se no início do século 19, durante a expansão americana pelo continente, The Revenant acompanha Hugh Glass (Leonardo DiCaprio), um comerciante de peles e rastreador que participa de uma expedição ao lado de seu filho, o mestiço Hawk (Forrest Goodluck). Após um ataque de indígenas, o grupo é obrigada a retornar até a base por ordens do capitão Andrew Henry (Domhnall Gleeson) e para o desgosto do cínico John Fitzgerald (Tom Hardy). Porém, os problemas que a trupe encontra no caminho acabam separando o grupo e deixando Hugh sozinho, ferido e em um território perigoso, sendo que ele é dado como morto pelos demais.

Apesar do grande destaque da trama ser a jornada de Hugh de volta ao mundo civilizado – ou quase isso –, não existe tanto peso dramático nas suas situações de sobrevivência. Não é que DiCaprio não convença, mas o roteiro simplesmente não consegue transmitir todo o desespero que a privação e a hostilidade da natureza são capazes de gerar. Ainda que o impacto visual esteja todo lá, não existe um senso de urgência e os riscos são decrescentes, não existindo a construção satisfatória de um clímax, levando o filme para uma espécie de quarto ato que muitos poderiam considerar desnecessário.

O único que consegue contornar esse problema é Tom Hardy. Enquanto o protagonista desafia tudo que é possível, o personagem de Hardy é covarde, pessimista, irresponsável e preconceituoso, mas extremamente crível e com motivações compreensíveis. Assim, essa talvez seja a presença mais humana entre o elenco, servindo não somente um antagonista, mas como um verdadeiro contraponto moral. Talvez essa percepção seja agravada porque Hugh Glass não é exatamente uma figura carismática e de fácil identificação.

Além disso, a ausência de falas em boa parte do filme – quer seja pelo isolamento quanto pela condição física do personagem –, ao mesmo tempo em que permite uma atuação expressiva, não nos permite compreender o personagem, prejudicando o envolvimento emocional do expectador. Para complementar, como boa parte das falas estão em um dialeto nativo, ainda se perdem algumas camadas de entonação e compreensão, que talvez ajudassem a preencher essa lacuna.

Por culpa de culpa de um roteiro que fica a desejar, ainda que Leonardo DiCaprio tenha entregue tudo de si e mostrado uma tenacidade incomum no papel, sinto que não é exatamente o seu melhor trabalho. Ainda que possa garantir aquele Oscar tão cobiçado, sinto que ele seria dado muito mais em respeito a injustiças antigas do que pelo brilhantismo mostrado em The Revenant.

Na parte técnica, contudo, só elogios. O filme é visualmente muito poderoso, com sequências impactantes e muito bonitas, o que é ainda mais interessante se considerarmos que ele usa somente iluminação natural. A fotografia de Lubezki continua fantástica e facilmente nos coloca naqueles ambientes de isolamento e vulnerabilidade, porém, a própria temática mais prosaica (pelo menos em comparação com seus últimos trabalhos) pode ter inibido um pouco a experimentação e tornado o resultado menos memorável. A trilha sonora também merece ser lembrada, complementando perfeitamente esse clima um pouco inquietante da solidão no meio da natureza selvagem.

Mesmo que The Revenant não tenha sido tão revolucionário quanto eu gostaria, ainda é um longa-metragem como poucos. Mesmo com problemas de roteiro e de ritmo, não são muitos os filmes capazes de absorver o expectador em seu mundo, já que de cabo a rabo a sua produção é impecável e talvez o melhor que Hollywood tenha a oferecer nesse ano. Isso por si só já é motivo o suficiente para justificar uma ida ao cinema – e, se possível, um bom cinema, já que dificilmente o senso de escala vai poder ser replicado com tanta facilidade fora das grandes telas.

Outras divagações:
Biutiful
Birdman

Texto: Vinicius Ricardo Tomal
Edição: Renata Bossle

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