Divagações: La La Land

Contar histórias é a arte de criar sonhos compartilhados sem a necessidade de ninguém estar dormindo. Como Los Angeles é uma cidade para o...

Contar histórias é a arte de criar sonhos compartilhados sem a necessidade de ninguém estar dormindo. Como Los Angeles é uma cidade para onde as pessoas vão quando estão perseguindo um sonho bem específico (ganhar a vida fazendo filmes), esse é um cenário simplesmente natural para o cinema. Já vimos isso muitas vezes e em diversas roupagens, com paisagens ensolaradas, uma boa dose de poeira, finais felizes, rios de lágrimas, crimes, cores, sons ou nada disso.

La La Land é mais um exercício sobre o mesmo tema – e o filme não apenas sabe disso como resolve se aproveita dessa tradição. Há referências por todos os lados e um verdadeiro amor pela ideia de perseguir sonhos e vê-los se realizando ou se quebrando. Tudo faz parte de um processo nostálgico, retratado de uma forma inocente e praticamente ingênua. Como formato, um musical é realmente o modo mais adequado de transformar esse filme sobre sonhos em, bem, um sonho realizado.

Mia (Emma Stone) é uma aspirante a atriz que está ganhando a vida como atendente em um café, intercalando trabalho e audições infrutíferas. Sebastian (Ryan Gosling) é um pianista que quer abrir um clube de jazz. Os dois acabam se cruzando aleatoriamente em mais de uma ocasião. A curiosidade sobre a outra pessoa acaba se transformando em algo mais à medida que os dois se conhecem melhor e passam a compartilhar suas jornadas.

Com músicas animadas – crédito para Justin Hurwitz, que ainda deve ganhar muitos prêmios esse ano –, danças divertidas e uma boa dose de romance, La La Land tem a fórmula clássica para se transformar em um filme irresistível. Não é à toa que a produção, tecnicamente muito caprichada, conseguiu bater o número recorde de prêmios na última edição dos Golden Globes e segue nessa temporada como uma das favoritas para o Oscar. Afinal, o filme é uma versão atualizada de Hollywood, sendo assumidamente irreal, mas feito da mesma matéria-prima com que se fabricam os sonhos.

Para o público atual – que, até pouco tempo, parecia comprometido com um realismo violento e escuro –, esse longa-metragem traz aquele ar nostálgico e agridoce que está em alta em diversas mídias. A estética é acompanhada por figurinos absolutamente adoráveis, menções a filmes antigos e um estilo de filmagem fiel aos musicais dos anos 1940 e 1950, sem cortes durante os números. É praticamente um decreto pelo fim da ‘era do videoclipe’, com sua montagem frenética e seu imediatismo.

Dessa forma, La La Land acerta diretamente em uma demanda latente. O público quer se divertir, quer criar uma empatia com os personagens e quer poder ‘voltar aos bons tempos’. O filme desvia de questões políticas e econômicas, focando em uma felicidade que depende apenas de esforço pessoal e do destino. Sem forçar uma moral, a produção traz um mundo onde eleitores de Hillary, Trump, Aécio e Dilma gostariam de estar vivendo. Mas mesmo nesse contexto alienado, há algo no trabalho do diretor e roteirista Damien Chazelle que deixa claro que há um preço a se pagar. E é aí que mora aquela nota dissonante que faz desse um filme particularmente sensível.

Mas não se preocupe com o que acontece além da projeção. Ao final, você vai sair da sala de cinema com vontade de dançar e murmurando algumas canções (provavelmente City of Stars). Vai ter vontade de retomar aquele projeto, de cantar, de dançar, de escrever, de atuar, de pintar. La La Land é esse tipo de filme.

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