Divagações: What We Do in the Shadows

Muita gente pode achar que a ‘imagem’ dos vampiros ficou sobrecarregada nos últimos anos, com tantos filmes e séries que ‘não respeitam’ a...

Muita gente pode achar que a ‘imagem’ dos vampiros ficou sobrecarregada nos últimos anos, com tantos filmes e séries que ‘não respeitam’ a mitologia dos personagens. Lançado em 2014, talvez What We Do in the Shadows achasse que pudesse se beneficiar da ‘modinha’. Com a ajuda de uma campanha bem-sucedida no Kickstarter, a produção neozelandesa de baixo orçamento alcançou muitos de seus sonhos mais ambiciosos, o que inclui a participação em diversos festivais importantes, como Sundance (ainda que dominar o mundo tenha ficado para a próxima oportunidade).

Mesmo sem ter chego às grandes massas, acredito que a produção deve ter uma vida longa (talvez não tanto quanto a de seus personagens, mas bem considerável mesmo assim). Afinal, esse filme não é simplesmente mais um, ele tem uma aura cult intrínseca e um humor próprio, elementos difíceis de imitar e que são capazes de permitir que a produção seja descoberta e redescoberta por seus possíveis públicos.

What We Do in the Shadows é um falso documentário que acompanha o dia a dia de um pequeno grupo de vampiros que vive em Wellington, a capital da Nova Zelândia. Eles moram juntos em uma casa e passam por muitas situações normais, como ter uma reunião para reclamar do colega que não lava a louça a diversos anos.

Ao mesmo tempo, os protagonistas também trazem versões de estereótipos associados aos homens-morcegos. Petyr (Ben Fransham) é o mais velho do grupo; com 8.000 anos, ele é tão antigo que é reverenciado pelos demais, mas a idade já está aparecendo. Vladislav (Jemaine Clement) é um vampiro medieval e um assassino cruel, entretanto, seus poderes perderam o antigo impacto após um confronto com seu maior inimigo. Viago (Taika Waititi) existe desde o século 16 e é o mais certinho do grupo, tendo ido até a Nova Zelândia atrás de um amor que nunca se concretizou. Por fim, Deacon (Jonny Brugh) surgiu na época da 2ª Guerra Mundial, lutou para o lado que perdeu e é o cara que não está lavando a louça.

A princípio, a rotina dos vampiros não tem muita graça, mas esse ar decadente dos protagonistas (veja bem, não há muito glamour em nenhum deles) é transposto para absolutamente toda a cena de criaturas noturnas neozelandesas. Os bares são deploráveis e vazios. A grande festa anual que eles aguardam com muita ansiedade não é somente brega, mas dividida com bruxos e zumbis. A casa onde eles vivem está caindo aos pedaços. A serva humana (Jackie van Beek) é utilizada para tarefas como ‘limpar o jardim’, embora ela também traga vítimas ocasionalmente.

Mas, obviamente, What We Do in the Shadows não é um drama sobre o cotidiano decadente de um grupo de vampiros. Aliás, eles não parecem exatamente conscientes dessa condição e seguem seus dias como os maiorais. O resultado é estranhamente convincente, uma vez que os atores tiveram total liberdade para improvisar a maior parte das sequências, gerando reações reais e estimulando respostas rápidas de seus colegas – o fato de que Clement e Waititi são os diretores ajuda um bocado, suponho.

Além disso, os coadjuvantes tiveram total liberdade para roubar a cena e fazer o máximo do tempo que tem de tela. Nick (Cori Gonzalez-Macuer) é um vampiro recém-transformado que tem comportamentos bastante descuidados. Stu (Stu Rutherford) é um cara normal que trabalha com TI, mas que acaba se tornando amigo do grupo (e não se engane, o ator é justamente isso, tendo sido efetivamente contratado para ‘lidar com computadores’ durante a produção). Anton (Rhys Darby) é o líder meio sem moral de um grupo de lobisomens – os maiores inimigos dos vampiros. Isso sem contar os dois policiais (Karen O'Leary e Mike Minogue) que visitam a casa após uma denúncia dos vizinhos.

Essa junção de personagens, as piadas improvisadas (repletas de referências) e as imensas possibilidades de conflitos são os principais elementos que tornam What We Do in the Shadows interessante. Mas o filme extrapola essa questão em seus aspectos visuais, fazendo muitas brincadeiras com a iconografia vampiresca em montagens divertidas e devidamente acompanhadas por fotos antigas meio bizarras e ilustrações descontextualizadas. A trilha sonora, ainda que fuja um pouco do que você poderia esperar em um primeiro momento, acaba combinando muito bem com o conjunto e alimenta o universo.

Assim, ainda que o mundo dos vampiros neozelandeses não seja tão chique quanto o que já vimos sobre a Europa ou tão sexualmente ativo quanto os Estados Unidos gostariam que acreditássemos sobre a cena local, ele tem suas peculiaridades. E foi bom que uma equipe de cinema tenha reunido coragem para a explorar tão a fundo.

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