Divagações: Empire Records

A indústria da música sofreu mudanças radicais nas últimas três décadas. As pequenas lojas foram engolidas pelas grandes redes. As grandes...

A indústria da música sofreu mudanças radicais nas últimas três décadas. As pequenas lojas foram engolidas pelas grandes redes. As grandes redes sofreram um baque na mão da revolução proporcionada pela internet. Novos modelos de comercialização surgiram, mas mesmo eles ainda penam em razão das grandes mudanças na preferência do público, que cada vez mais dá preferência para serviços de streaming.

Empire Records é um filme sobre um tempo que não volta mais e que, na verdade, já estava com seus dias contados. Por mais que eu suponha que exista um espaço para as lojas de discos dentro desse novo contexto – com pessoas interessadas em mídias físicas especiais e em fazer descobertas sem a influência de um algoritmo –, a alegria irresponsável e despreocupada dos personagens dificilmente é algo que se verá novamente.

Toda a história se passa durante um dia muito agitado para os funcionários de uma loja de discos, CDs e instrumentos musicais gerenciada por Joe Reaves (Anthony LaPaglia), que também serve como uma figura paterna. Antes mesmo das portas abrirem, Lucas (Rory Cochrane) já criou uma confusão ao perder todo o lucro da loja em um cassino. Para completar, Debra (Robin Tunney) está enfrentando problemas em casa e aparece na loja com os pulsos enfaixados – para desviar a atenção, ela simplesmente vai ao banheiro e, em mais um ato de rebeldia, raspa os próprios cabelos.

Além disso, há a necessidade de preparar a loja para uma sessão de autógrafos do cantor romântico-decadente Rex Manning (Maxwell Caulfield), por quem Corey (Liv Tyler) tem uma queda. A moça resolve agir sem saber que seu colega A.J. (Johnny Whitworth) está pretendendo se declarar. Paralelamente, a amizade de Corey com Gina (Renée Zellweger) começa a apresentar rachaduras. Como se não bastasse, um rapaz que se identifica como Warren Beatty (Brendan Sexton III) resolve assaltar a loja e é mantido cativo até a chegada da polícia. E se você acha que tem muita gente trabalhando nesse lugar, ainda há o sonhador Mark (Ethan Embry) e o confuso Berko (Coyote Shivers), que apenas somam à confusão geral.

Mas não se preocupe muito em tentar entender tudo o que acontece em Empire Records. A situação está particularmente fora de controle porque também existe a possibilidade de a loja ser vendida para uma grande rede, onde os funcionários precisam atender a uma lista gigantesca de regras. Ou seja, há um ar de desespero e despedida na ação de cada personagem e todos eles lidam com essa perspectiva de modos diferentes. Ainda assim, um dos grandes méritos do filme e do diretor Allan Moyle é justamente não priorizar nenhum drama sobre o outro, dando espaço para muita coisa sem distinção.

Para os fãs de música, a premissa talvez importe ainda menos. Além de ter uma trilha sonora gigante (ajudada pelo fato de os personagens poderem vetar a música ambiente selecionada pelo colega), o filme é um antro de citações a letras famosas e referências de todos os tipos. Há uma crítica/reverência à juventude dos anos 1990 que é bastante típica do rock (jamais do pop) e uma linguagem descompromissada com a estrutura narrativa habitual dos filmes, lembrando um álbum musical repleto de novos sentimentos a cada nova faixa.

Como o retrato de uma geração, Empire Records talvez seja menos relevante que Dazed and Confused, lançado dois anos antes, e que, na verdade, trata dos anos 1970. Mas o filme é citado na produção e é evidente que o longa-metragem foi influenciado por essa maneira de enxergar o mundo. Como o momento já passou, esse é um dos poucos quadros que temos de referência sobre como era ser um adolescente vivendo em uma cidade média dos Estados Unidos durante meados dos anos 1990.

Por sua natureza exagerada e musicalizada, Empire Records não é uma pintura fiel – e, por ter sido feito no calor do momento, sem a necessária reflexão vinda apenas com o passar dos anos, ele nunca poderia o ser. Mas eu diria que se trata de uma maneira bastante válida de tentar demonstrar o espírito de uma geração.

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