Divagações: Lion

Desde o começo, toda a proposta de Lion me fez lembrar do conceito de ‘filmes espirituais’ usado por Stephen Deutsch . As produções dessa...

Desde o começo, toda a proposta de Lion me fez lembrar do conceito de ‘filmes espirituais’ usado por Stephen Deutsch. As produções dessa categoria, segundo ele, são obras com um significado mais profundo, que acrescentem algo de bom para as pessoas – uma espécie de mistura de histórias motivacionais com cinema de autoajuda. Tendo finalmente assistido ao longa-metragem, ouso dizer que o autor não teria nenhum problema em acrescentar esse título em uma versão atualizada do livro “A Força Está com Você”.

Baseado em fatos reais, Lion conta a história de um menino indiano de cinco anos, Saroo (Sunny Pawar), que se perde da família ao dormir em um trem. Ele acorda em outra parte do país, não fala a língua local, não sabe seu próprio sobrenome e não consegue informar exatamente de onde veio. Ele vive nas ruas por um período, mas, eventualmente, acaba sendo institucionalizado e encaminhado para adoção.

Já adulto, Saroo Brierley (Dev Patel) é um australiano bem-humorado e perfeitamente adaptado a sua família, formada por pais carinhosos (Nicole Kidman e David Wenham) e por um irmão adotivo problemático (Divian Ladwa). Contudo, ele começa a se fechar quando mergulha nas poucas lembranças que possui da Índia e se torna obcecado em reencontrar sua família biológica, especialmente a mãe (Priyanka Bose) e o irmão mais velho (Abhishek Bharate). Ainda assim, o amor por quem o criou e o ajudou na infância faz com que ele sinta remorso em querer redescobrir suas origens.

Não é difícil perceber o caminho para onde o filme está se dirigindo. Lion é uma daquelas histórias que não possuem dificuldades em levar lágrimas aos olhos dos espectadores e, simultaneamente, proporcionar uma sensação de conforto. Nesse filme, as pessoas são naturalmente boas e compreensivas. Mesmo o relacionamento atribulado entre Saroo e Lucy (Rooney Mara) é repleto de amor e compreensão. Ou seja, se você sai correndo de qualquer sombra de pieguice, essa é uma daquelas obras para tirar da lista. Mas, caso esteja precisando de um abraço, pode ser uma boa opção.

Gênero narrativo à parte, temos aqui um filme que já nasce com cara de Oscar – mas que saiu de mãos vazias após receber seis indicações. Na verdade, não é de se estranhar. A primeira parte do filme é maravilhosa, aproveitando-se da expressividade de Sunny Pawar para compensar a falta de diálogos e sabendo utilizar a fotografia muito bem, tanto nas cenas na Índia quanto na Austrália, criando um contraste interessante e sutil. Mas tudo muda quando entramos nos dilemas do personagem adulto, que parecem simplórios, ingênuos e até mesmo imaturos em relação ao cenário geral.

O detalhe é que o diretor estreante Garth Davis parecia já ter notado esse problema. Sua escolha foi por contar a história da maneira mais linear possível, de modo que Dev Patel não aparece até os 50 minutos de Lion. Com isso, temos bastante tempo para aproveitar a história inicial e nos envolvermos o suficiente para não largarmos os personagens na segunda metade do filme. Na verdade, o problema não é o ator e nem a incômoda busca desesperada sem sair de casa (ainda assim, precisamos admirar a tecnologia que tornou isso tudo possível!). O que acontece é que parece haver uma desconexão emocional entre a criança e o adulto. Por mais que as preocupações do protagonista sejam compreensíveis, não sabemos como elas foram parar em sua cabeça. Não há nada na personagem de Nicole Kidman que pareça justificar esse tipo de raciocínio em seu filho.

De qualquer modo, Lion é um daqueles filmes feitos para mostrar que é possível contar histórias sem apelar para a violência, para a crueldade, para o individualismo. Ao longo de sua trajetória, o protagonista encontra muitas pessoas que o ajudam e o colocam na trilha que julgam ser a melhor para o seu futuro. Sim, é um filme piegas, mas isso não é necessariamente uma coisa ruim.

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