Divagações: The Dark Tower

Oito livros e mais de trinta anos de trabalho fazem da série A Torre Negra uma das obras mais importantes e celebradas de Stephen King – ...

Oito livros e mais de trinta anos de trabalho fazem da série A Torre Negra uma das obras mais importantes e celebradas de Stephen King – um escritor que pode muito bem se gabar de ter assinado o conceito original para muitos dos filmes mais memoráveis do cinema contemporâneo, como The Shining e The Shawshank Redemption. Nesse contexto, The Dark Tower parecia uma aposta certa para Hollywood, sempre em busca de uma nova franquia digna de milhões.

Ainda assim, foi bastante difícil emplacar essa adaptação, que passou quase dez anos no limbo antes de cair nas mãos de Nikolaj Arcel, um diretor dinamarquês não muito conhecido por essas bandas, mas que adaptou a versão sueca da série Millennium. Aliás, vale dizer que The Dark Tower não é exatamente uma adaptação, mas uma espécie de releitura (e, em partes, uma continuação) dos livros de King. A intenção era trazer para as salas de cinema tanto os velhos fãs quanto pessoas que não se interessam muito pelos livros originais. Mas, como acontece com frequência quando um filme tenta agradar a gregos e troianos, ninguém saiu realmente satisfeito.

Passado nos dias atuais, The Dark Tower acompanha Jake Chambers (Tom Taylor), um garoto nova-iorquino assolado por estranhos pesadelos envolvendo uma torre negra que aparentemente protege o universo. Taxado de louco por seus pais e colegas, Jake se vê em uma busca para provar que seus sonhos não são apenas ilusões, o que o leva a confrontar uma estranha organização liderada por Walter (Matthew McConaughey), que planeja o capturar. Sua fuga o leva para outra dimensão, onde ele encontra Roland (Idris Elba), o último dos pistoleiros, um grupo que havia jurado proteger a torre e, com ela, o resto do multiverso.

Com esse conceito que me soava meio bobo e em completo distanciamento da obra original, não me senti cativado por este filme. Aliás, o único objetivo alcançado de The Dark Tower talvez tenha sido me fazer ter vontade de ler os livros para tentar entender como as pessoas gostam de algo que, no fundo, parece ser bem sem graça. Mas uma breve pesquisa sobre a série de livros já me fez entender como o filme havia falhado e porquê.

A princípio, The Dark Tower parece fazer concessões demais, sobretudo em sua estrutura narrativa. É clara a vontade de parte dos envolvidos na produção de fazer uma coisa legal que fizesse jus ao universo criado por King, mas as boas intenções acabam tropeçando no que parecem ser decisões executivas. Sai o clima seco e violento da obra original – uma espécie de faroeste fantástico que pouco sobra no filme –, e entra algo muito mais próximo às obras juvenis que temos por aí aos montes. A figura emblemática de Roland perde o espaço de protagonista e o adolescente se torna o foco da história, todos os conceitos mais complexos são simplificados ou deixados de lado e, como resultado, temos a impressão de que tudo nesse filme ficou pela metade.

A direção de arte e a execução do visual dão diversas deixas para elementos interessantes daquele cenário, tal como várias referências a outros trabalhos de Stephen King. Você percebe que há profundidade e que existe muito mais por detrás daquelas coisas do que o filme nos conta. Mesmo assim, tudo é levado adiante de modo tão raso que não acho que os fãs se sentirão particularmente agradados, assim como não é o suficiente para que quem não sabia de nada a respeito se sinta confortável em dizer que saiu do cinema entendendo como aquele universo funciona.

Isso acontece porque, com pouco mais de uma hora e meia para introduzir o universo, suas particularidades, os personagens e criar um arco narrativo coerente, The Dark Tower se torna uma grande correria com personagens rasos e um roteiro extremamente pobre. Por mais que Matthew McConaughey e Idris Elba sejam grandes atores, a maneira como os personagens foram escritos não dá espaço para quaisquer surpresas e ninguém faz muito além do previsível. Mesmo que Elba seja especialmente forte no papel, ele ainda está aquém do ícone que Roland é para os fãs da série – o que deve ser bem decepcionante.

Decepcionante, inclusive, talvez seja a grande palavra de ordem aqui. Enquanto não há nada ofensivo ou terrível em The Dark Tower, não existe também nada que redima seus problemas: o protagonista é chato, a história é apressada e acaba tão repentinamente quanto começou e os momentos interessantes são poucos e breves. Dói ver quando uma série amada por muitos é descaracterizada dessa forma (o que parece ser uma tendência comum hoje em dia), e a recepção morna desse filme (e de outros que seguiram pelo mesmo caminho) mostra que é preciso mais do que um nome para fazer um filme emplacar. A questão é, quando é que Hollywood vai aprender essa lição?

Texto: Vinicius Ricardo Tomal
Edição: Renata Bossle

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