Divagações: Murder on the Orient Express

Quanto a preferência literária, sempre fui mais um partidário de Arthur Conan Doyle do que de Agatha Christie . Desse modo, no duelo entr...

Quanto a preferência literária, sempre fui mais um partidário de Arthur Conan Doyle do que de Agatha Christie. Desse modo, no duelo entre Sherlock Holmes e Hercule Poirot, o britânico sempre foi o meu favorito. O que não é exatamente uma surpresa, já que Poirot estrelou muito menos adaptações, releituras e todo o tipo de participação nas últimas décadas do que seu detetive ‘rival’ (culpe, neste caso, o domínio público). Porém, há uma exceção bastante evidente: Murder on the Orient Express, aquele de 1974, é considerado por muitos um clássico do cinema, de modo que uma nova adaptação do livro de Christie acaba tendo um par de sapatos bem grandes para preencher.

Feito como um projeto passional de Kenneth Branagh, que dirige e estrela o longa, Murder on the Orient Express tem uma abordagem mais moderna sobre o livro de mesmo nome. Ao mesmo tempo – e na medida do possível –, ele tenta manter o clima e o escopo da obra original. Passado nos idos de 1930, o filme trata de mais um caso do grande detetive Hercule Poirot (Branagh), que se depara com o estranho assassinato do marchand Edward Ratchett (Johnny Depp) em uma viagem a bordo do Expresso Oriente, um trem que cruzava a Europa rumo a França. Dentro do espaço restrito, todos os passageiros são suspeitos e parecem ter algo a esconder.

Tal como o filme de 1974, a versão de 2017 conta com um elenco pesado e cheio de caras conhecidas, como Penélope Cruz, Michelle Pfeiffer, Judi Dench e Willem Dafoe. No entanto, nenhum deles é exatamente aproveitado ao máximo – ainda assim, em uma história onde todos podem estar mentindo, boas atuações são sempre bem-vindas e nisso o filme se sai muito bem. Talvez o único problema acabe sendo o próprio Kenneth Branagh, que entrega um Poirot caricatural e exagerado em suas manias. Mas não é algo que chegue realmente a incomodar, já que, mesmo sendo o protagonista, o detetive é bem menos importante que o mistério em si.

Além disso, os visuais e a recriação da época são bem interessantes e devem agradar quem sente falta de um filme mais ‘classudo’ nos cinemas. Apesar do que os trailers deram a entender, o filme não apela para nenhum recurso visual, musical ou de edição ‘ousado’, o que o deixa com uma cara enxuta, mas que funciona bem. Contudo, ela também não é exatamente memorável, pois apela justamente para um público que quer fugir dos filmes de herói e das grandes aventuras que dominam as salas de cinema.

De qualquer forma, no quesito mistério, Murder on the Orient Express também dá algumas escorregadas. O filme não dá o tempo nem os dados necessários para que o espectador resolva o crime junto de Poirot, que às vezes mais parece um vidente do que um detetive. Isso ocorre porque algumas relações e revelações são cortadas da trama para deixá-la mais ágil, justamente para a tristeza de quem preferia algo com um ritmo mais adequado para esse tipo de história. Mas a verdade é que o cinema, ao contrário de um livro, não consegue se adaptar à velocidade do espectador – o que me faz pensar que uma série de televisão talvez fosse uma opção mais recomendável para o gênero.

Ainda assim, o filme funciona bem o bastante para os marinheiros de primeira viagem, com uma construção da trama capaz de deixar a plateia intrigada e que deve surpreender quem tem a sorte de não saber de antemão quem é o culpado. Apesar de todo o ato final ser um pouco arrastado, com uma pitadinha a mais de melodrama do que o que seria necessário, o resto da investigação é interessante o bastante para sustentar o filme e fazer que ele seja algo que funcione em um contexto geral.

Por mais que não ache que essa versão de Murder on the Orient Express ficará marcada nos anais do cinema (e nem sequer das adaptações literárias), a produção é agradável e perfeita para quem procura algo instigante para ver no cinema. Se uma franquia baseada nos demais livros de Christie vai funcionar, isso já é outra conversa (existe uma intenção clara e já há quem fale em Death on the Nile). Mas, pelo menos como capítulo inicial, Murder on the Orient Express até que é promissor.

Outras divagações:

Much Ado About Nothing
Thor
Jack Ryan: Shadow Recruit

Texto: Vinicius Ricardo Tomal
Edição: Renata Bossle

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