Divagações: Alien

Filmes de terror no espaço, com o tempo, acabaram se tornando uma espécie de subgênero relativamente comum e repleta de clichês próprios. ...

Filmes de terror no espaço, com o tempo, acabaram se tornando uma espécie de subgênero relativamente comum e repleta de clichês próprios. Houve um momento, contudo, em que o roteiro de Alien foi definido por “é como Jaws, só que no espaço”. Agora, talvez pareça ser até uma espécie de heresia fazer esse tipo de tratamento, mas a verdade é que muito do que há de brilhante nesse primeiro filme da franquia – que provavelmente não tinha a ambição de chegar tão longe – foi apenas descoberto com o tempo.

Um dos aspectos mais celebrados, aliás, é a protagonista interpretada por uma mulher. Ripley (Sigourney Weaver) começa sua jornada como mais uma profissional em uma equipe. Ela talvez seja um pouco fria com seus colegas, mas é respeitosa o suficiente e é a única que parece ter um apego maior às normas de segurança.

Mas a questão mais valiosa é que todos os personagens do roteiro original são tratados apenas por seus sobrenomes. O objetivo, desde a concepção do filme, é que cada um pudesse ser interpretado tanto por um homem quanto por uma mulher (ainda que a escolha efetiva de uma mulher tenha surpreendido até mesmo os roteiristas). Com isso, os personagens de Alien possuem qualidades e defeitos humanos e independentes de gêneros – e muitos dos clichês do terror também se esvaem. Tudo o que depende da fragilidade e compaixão feminina ou da coragem e determinação masculina pode vir de onde for necessário. Todos são tratados de forma igual por seus pares, mas isso não muda o fato de que há um ‘conflito de classes’ bastante evidente dentro da nave.

Na trama, o sistema de uma nave espacial mercante acorda seus tripulantes antes do momento por ter detectado um pedido de socorro, o qual eles são obrigados por lei a atender. No entanto, o que eles encontram é uma nave abandonada e uma estranha forma de vida desconhecida, que acaba entrando na nave e passa a ameaçar a vida de todos.

A princípio, essa é uma história bastante simples e acredito que é nesse ponto que reside sua maior força. Não é à toa que muita gente comparou a produção na época de seu lançamento como uma mistura de Jaws e Star Wars, ambos sucessos da época. Mas, por mais que talvez se aproprie dessas ‘tendências’ de seu período, o filme funciona por apostar em uma estrutura clássica e em um terror primordialmente acessível. Em vez de focar em reviravoltas mirabolantes, planos, idas e vindas no roteiro, Alien tem uma linha bastante direta, que se desenvolve com base na interação entre os personagens. Eles não são exatamente amigos, mas colegas de trabalho que já estão cansados da convivência forçada e que adorariam simplesmente ir para casa. Ou seja, trata-se de um prato cheio tanto para o surgimento de atritos quanto para parcerias inesperadas durante momentos de crise.

Dallas (Tom Skerritt) é um capitão leniente, mas respeitado e razoavelmente competente. Lambert (Veronica Cartwright) é uma navegadora que definitivamente não sabe trabalhar sob pressão. Parker (Yaphet Kotto) é um engenheiro mecânico que se sente inferiorizado hierarquicamente e que demanda um melhor tratamento. Brett (Harry Dean Stanton) é outro engenheiro, mas que apenas vai na onda do colega. Kane (John Hurt) é o oficial executivo da nave e o primeiro a ter contato com a raça alienígena. Ash (Ian Holm) é o oficial de ciência a bordo, um dos grandes defensores da entrada do alienígena na nave e uma constante fonte de atrito com Ripley, a subtenente da missão.

O oitavo passageiro (Bolaji Badejo), obviamente, é a figura indesejada que passa a ser perseguido pelos tripulantes. Altamente destrutivo e perigoso, ele não demora a deixar claro que irá matar todos a bordo em pouco tempo. E, se você não esteve em outro planeta nos últimos 38 anos, é bem provável que o desenrolar da história não seja exatamente uma surpresa.

Mas o que faz com que Alien continue sendo eficiente depois de tanto tempo? Para começar, o monstro aparece pouco e isso continua a ser um recurso altamente eficiente. A expectativa e a tensão são bem construídas e por mais que o mistério seja no melhor estilo “quem/como será a próxima vítima?”, o filme lida muito bem com isso justamente por sua falta de ambição – ele sabe a que veio e entrega isso da melhor maneira possível.

Outro ponto alto é a intrincada nave espacial, que não possui uma planta facilmente distinguível pelo público, mas que apresenta uma aparência sucateada e agoniante que ainda funciona muito bem. O diretor Ridley Scott, inclusive, teve a oportunidade de utilizar alguns dos designs não utilizados por Alejandro Jodorowsky em seu nunca lançado Dune (saiba mais aqui), além de ter contratado H.R. Giger para fazer o alienígena em si.

Isso sem contar com Sigourney Weaver, que segura a trama com bastante seriedade. Mesmo em meio a um elenco repleto de nomes que se tornaram bastante relevantes no cinema, é ela quem garante credibilidade à história e se assegura de que a produção permaneça no caminho certo. Em outras mãos, sua personagem poderia ter se tornado fria e descomprometida com os colegas, mas não é o caso. Ela demonstra competência, inteligência e o sofrimento de quem precisa tomar decisões difíceis.

Formado por muitas ideias boas e simples em ação (e que ação!), Alien conseguiu se tornar algo muito maior do que seu plano original – Alien: Covenant foi lançado em 2017 e há uma continuação prevista para 2019. Ainda assim, sua maior vitória talvez seja a de continuar assustando pessoas mesmo décadas após seu lançamento (algo que talvez não se repita com seus frutos mais recentes).

Outras divagações:
Prometheus
Alien: Covenant

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