Divagações: Call Me by Your Name

Existem certas obras que tem tudo para dar muito certo – uma boa direção, boas atuações, um material original muito elogiado –, mas que po...

Existem certas obras que tem tudo para dar muito certo – uma boa direção, boas atuações, um material original muito elogiado –, mas que por alguma razão, acabam sofrendo de certas desconexões, geralmente pequenas coisas, que causam rachaduras estruturais e minam a obra como um todo, não permitindo que ela realize seu potencial completo. Para mim, Call Me by Your Name é um exemplo claro deste tipo de coisa. Mesmo sendo uma adaptação extremamente bem produzida do romance de André Aciman e digna de elogios em diversos níveis, existem certos problemas que, pelo menos no meu caso, afastam a identificação emocional que seria necessária para transformar um filme bom em algo memorável.

Capturando a dimensão idílica do interior italiano em 1983, Call Me by Your Name acompanha o jovem Elio Perlman (Timothée Chalamet) em um dos verões de sua adolescência. Seu pai (Michael Stuhlbarg), um professor universitário, recebe a visita de um assistente de pesquisa, Oliver (Armie Hammer), um rapaz americano que em muitos aspectos é o oposto do introspectivo Elio. Não demora para que os dois percebam que existe uma certa tensão romântica crescente entre eles, levando-os a diversas descobertas sobre o amor, a sexualidade, a formação de uma identidade e a perda.

De início já fica claro que Call Me by Your Name é um filme que se esforça para ser classudo. Com um ritmo lento que privilegia a atmosfera e uma trilha sonora à altura, a direção competente de Luca Guadagnino consegue capturar muito bem o clima ao mesmo tempo provinciano e refinado do norte da Itália.

Como cinema, é algo muito bonito de se ver. Há uma atenção a detalhes e um polimento técnico muito evidente, até mesmo os créditos iniciais – coisa não muito comum hoje em dia –, e que ajudam a colocar o filme no tom certo. Para alguns, talvez o longa-metragem soe um pouco moroso, não tendo pressa alguma de esticar sua duração para mais de duas horas para transmitir as suas mensagens, mas não acho que isso seja uma questão particularmente incômoda.

Meu problema real com a produção é justamente com o seu conteúdo – e a dificuldade de gerar empatia com o núcleo central do filme, ou seja, o romance entre Oliver e Elio. Isso acontece porque a química entre os dois é questionável, com momentos genuinamente tocantes e outras situações que tornam difícil "comprar" essa atração tão forte que supostamente os dois têm.

Como alguém que nunca leu a obra original e não tem certas lacunas preenchidas, a atração de Elio por vezes parece forçada e, sem uma imagética que mergulhe na subjetividade do protagonista (ao contrário do romance, narrado em primeira pessoa), algumas de suas ações soam meio repentinas ou convenientes. Sobretudo no início, o comportamento do protagonista é suportado muito mais nas expectativas do público de que há algo ali do que realmente no que é mostrado em cena.

Isso não chega a ser culpa do elenco. Timothée Chalamet é um achado e foi uma escolha acertada para o jovem rapaz de uma família intelectualizada, atormentado pelas suas próprias angústias adolescentes. Já Armie Hammer não se destaca tanto, mas na maior parte do tempo segura bem as pontas (apesar de eu não conseguir acreditar muito em suas dúvidas iniciais ou no seu sentimento de culpa). O elenco de apoio, tenho que dizer, também é muito bom e dá aquela pitada de “Europa” que torna tudo bem mais verossímil.

O fato é que, mesmo sendo tão imersivo e atmosférico, falta certa gravidade emocional a Call Me by Your Name. Existe todo um drama entranhado nas entrelinhas, toda uma questão de um relacionamento fadado a ter um fim prematuro, toda uma construção de identidade da parte de Elio – mas isso nunca é sentido em sua completude. Faltam cenas e momentos poderosos para deixar isso explícito, pois a sutileza é tão grande que às vezes pode ser confundida com apatia.

A única exceção é uma excelente cena de discussão entre Elio e seu pai lá pelo fim do filme, mas ela chega tarde demais para colocar as coisas em contexto e pautar a produção emocionalmente. Assim, o que sobra é só uma dinâmica de cortejo entre Elio e Oliver que não se desenvolve para além de sua premissa inicial e que se esvazia em um conflito que, apesar de compreensível, era completamente evitável.

Mesmo assim, não há como negar que Call Me by Your Name é um filme muito bem feito e que, só por essa razão, já merece ser visto por aqueles que querem uma produção mais sólida para essa temporada de premiações. Porém, não sinto que ele trata seus temas tão bem quanto, por exemplo, Moonlight, com quem divide algumas similaridades superficiais. Quem leu o livro talvez ache o aspecto audiovisual um bom complemento para a história e talvez consiga extrair mais do filme do que quem não leu, mas, ao menos para mim, ele fica aquém do esperado.

Texto: Vinicius Ricardo Tomal
Edição: Renata Bossle

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