Divagações: Beatriz at Dinner

Sabe quando você se mete em uma situação desconfortável? Beatriz at Dinner é, a princípio, um filme sobre isso. Uma mulher fica ilhada em...

Sabe quando você se mete em uma situação desconfortável? Beatriz at Dinner é, a princípio, um filme sobre isso. Uma mulher fica ilhada em uma casa e é convidada para um jantar onde não conhece ninguém além dos anfitriões, que, por sua vez, não estão exatamente felizes com a situação toda. Ela não está vestida para a ocasião e, para falar a verdade, nem sabe exatamente o motivo da reunião. Para completar, seus hábitos e opiniões batem de frente com alguns dos convidados.

Essa história simples é o pano de fundo para o diretor Miguel Arteta e o roteirista Mike White explorarem suas capacidades de desenvolver personagens distintos e colocá-los em rota de colisão. Com isso, não fica difícil imaginar a trama acontecendo em cima de um palco, com direito a todos os atores sentados à mesa. As semelhanças com Carnage e August: Osage County – ambos baseados em peças – também ficam evidentes.

Beatriz (Salma Hayek) é uma imigrante que trabalha com terapias alternativas em um centro de apoio a pacientes em tratamento de câncer. Ela mora em uma casa com diversos animais, incluindo dois bodes – mas um deles foi recentemente assassinado por um vizinho, o que a deixou bastante abalada. Para completar a renda, ela faz massagens e uma de suas clientes é Kathy (Connie Britton), a grata mãe de uma de suas ex-pacientes. E é durante uma visita ao abastado e afastado condomínio de Kathy e Grant (David Warshofsky) que seu carro quebra e ela acaba ‘convidada’ a passar a noite e a participar de um jantar comemorativo de trabalho. Os convidados são dois casais: os deslumbrados Alex e Shannon (Jay Duplass e Chloë Sevigny) e os poderosos convidados de honra, Doug e Jeana Strutt (John Lithgow e Amy Landecker).

A princípio, a dinâmica entre os três casais já não é das melhores, mas há um esforço educado em manter as aparências e criar uma noite agradável, com boas comidas, uma bela quantidade de álcool e conversas em tom de anedota sobre uma recente negociação de sucesso. Entretanto, a presença de uma sétima pessoa à mesa – que, ainda por cima, não faz parte do mesmo ‘círculo’ – é capaz de gerar um desconforto por si só. Em um primeiro momento, a atitude sincera e direta de Beatriz até consegue quebrar o gelo, ainda que seus comentários não sejam exatamente bem recebidos. Com o tempo, no entanto, a desaprovação dela em relação aos presentes – especialmente o inconsequente ricaço Doug Strutt – fica cada vez mais evidente e qualquer faísca pode ser a responsável por uma explosão iminente.

Com isso, Beatriz at Dinner depende muito do bom trabalho de Salma Hayek e John Lithgow – até demais, inclusive. O contraste entre os dois personagens é tão grande e tão forçado que chega a beirar o ridículo, embora o filme nunca se renda a qualquer tentativa de comédia. Aliás, um pouco de humor não faria mal a ninguém e saber equilibrar as situações apresentadas com uma dose de ironia faria um bem imenso à produção. De qualquer modo, os dois atores dão conta do recado e conseguem não apenas salvar a produção, mas fazer com que eu tenha real vontade de recomendar o filme a todos os que estão em busca de uma boa briga de gigantes, por assim dizer.

Em meio a isso, os demais personagens se perdem em meio a clichês que até funcionam no contexto. A condescendente personagem de Connie Britton tem um pouco mais de espaço, mas ele é pouco aproveitado em meio à cegueira e à superficialidade com que ela leva as situações e relações pessoais adiante. Inclusive, um dos melhores momentos do filme envolve seu absoluto estranhamento em relação a uma atitude da protagonista, ao que a outra responde: “Mas você não me conhece”.

Por sua vez, Jay Duplass e Chloë Sevigny começam muito bem, com um diálogo de abertura que define muito bem seus personagens. Em pouco tempo, contudo, eles se transformam em nulidades na sala de jantar e não adicionam nada ao conflito principal. Mas isso, pelo menos, é alguma coisa, já que David Warshofsky e Amy Landecker são absolutamente subaproveitados.

Dito isso, fica evidente que Beatriz at Dinner entrega apenas uma parcela de seu potencial. Esse poderia ser um daqueles filmes simples, mas com um bom conflito, ótimos personagens e excelentes atuações. Mas, ainda assim, é possível se contentar com um conflito aceitável, dois bons personagens e duas boas atuações – e, pensando bem, isso talvez já esteja acima da média do que há por aí.

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