Divagações: My Girl

Há quem diga que não é exatamente saudável revisitar os filmes clássicos da infância. Você se decepciona com as atuações, com a trama, com...

Há quem diga que não é exatamente saudável revisitar os filmes clássicos da infância. Você se decepciona com as atuações, com a trama, com os personagens… É melhor conservar as produções da maneira como a memória considera a melhor. My Girl, no entanto, é um filme que merece ser revisto. Ele é um daqueles longas-metragens que tocam fundo no coração e trazem experiências diferentes a cada novo momento da vida do espectador.

Minha mais recente experiência com a produção, aliás, fez com que eu encarace de uma maneira bem diferente a infância da protagonista, Vada (Anna Chlumsky). Meu olhar infantil e adolescente a encarava como uma personalidade singular e divertida, propensa a se meter em encrencas e a aumentar situações. Como adulta, no entanto, passo a concordar com a personagem de Jamie Lee Curtis: há algo de errado com essa menina.

Vada não tem uma figura materna ou qualquer presença feminina forte em sua vida – sequer lembra de sua falecida mãe e a avó (Ann Nelson) tem sérias dificuldades de comunicação. Ela convive com o pai (Dan Aykroyd), o tio (Richard Masur), o melhor amigo (Macaulay Culkin) e o professor da escola (Griffin Dunne). As meninas da turma, aliás, chegam a passar na frente de sua casa, mas deixam claro que há uma rejeição.

Não que a companhia masculina seja um problema. Contudo, há uma clara busca por identidade que está encontrando várias barreiras e ela não sabe exatamente a quem recorrer. A trama de My Girl é, basicamente, essa jornada.

Vada é uma menina às vésperas da adolescência e que mora em uma casa funerária, de propriedade de seu pai (que também é a pessoa que cuida dos corpos). Ela precisa lidar com as mudanças da idade, com tendências hipocondríacas, com a possibilidade de seu pai ter arrumado uma namorada, com sua paixonite em relação a seu professor favorito, com a evolução silenciosa de seus sentimentos em relação a seu melhor amigo e, eventualmente, com suas noções sobre a vida e a morte. Tudo isso enquanto segura com força os últimos resquícios de sua infância.

A maneira como Vada faz tudo isso é absolutamente intensa. Ela não somente grita e esperneia à mesa de jantar. Ela se consulta regularmente com um médico, alegando todo o tipo de sintomas potencialmente mortais. Ela segue seu pai em um encontro e tenta atrapalhar momentos potencialmente ‘perigosos’. Ela se matricula em um curso de redação criativa para adultos (com dinheiro roubado, diga-se de passagem). Ela propõe todo o tipo de brincadeira e traquinagem que podem encrencar seu amigo com a mãe dele. Ela aceita a ajuda de quem vier. E ela grita, esperneia e chora.

Mas, então, por que motivo eu digo que me preocupo com essa menina? Ela tem atitude e é totalmente capaz de se virar para conseguir o que quiser, mas também se mostra extremamente manipulável e suscetível às opiniões alheias. Vada ainda é uma criança em essência e soma-se a isso o fato dela ser carente de muitas coisas que outras pessoas têm como certo: sejam demonstrações óbvias de afeto, seja uma orientação sobre o que realmente significa ser uma mulher em um mundo tão masculino (e isso significa que, sim, ela pode ser o que ela bem entender). Ela está desbravando seus caminhos absolutamente sozinha, com toda a coragem que consegue reunir e acompanhada de um número gigantesco de inseguranças.

Dito tudo isso, My Girl não deixa de ser um filme que manipula seu público – é preciso admitir. A produção se esforça para que você se encante pela protagonista e se importe com ela. Ao mesmo tempo, a maneira como a história é construída deixa claro que ela não está exatamente destinada a um final feliz. E, quando a tragédia vem (mesmo que você saiba ou não de onde e de que forma ela vem), é chegado o momento de finalmente deixar escorrer as lágrimas que foram se acumulando. A questão é que, de alguma forma, os meios justificam os fins. E eu não escrevi isso ao contrário.

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