Divagações: Sleeper

Em 1973, Woody Allen olhava para o futuro. Afinal, ele já tinha alguns filmes no currículo, era reconhecido como um bom comediante e seu...

Em 1973, Woody Allen olhava para o futuro. Afinal, ele já tinha alguns filmes no currículo, era reconhecido como um bom comediante e seu relacionamento com Diane Keeton havia chegado ao fim – o que não impediu que ele continuasse trabalhando com sua musa inspiradora no elenco.

Mas como exagero pouco é bobagem, Sleeper se passa 200 anos no futuro, ou seja, em 2173. Miles Monroe (Woody Allen) foi ao hospital fazer uma cirurgia simples, mas acabou morrendo na mesa de operações e foi congelado pelo hospital. Assim, ele acorda em uma realidade completamente diferente da sua, onde as pessoas levam vidas fúteis, sendo extremamente controladas por um governo ditatorial e capaz de reprogramar mentes. Há máquinas de orgasmo, comidas estranhamente sintetizadas e robôs que servem os seres humanos.

O detalhe é que Miles já surge ilegalmente nesse cenário, sendo forçado a fugir da polícia, a se disfarçar (de robô!) e a entrar em contato com um grupo revolucionário – para o qual, aliás, ele arrasta a dondoca Luna Schlosser (Diane Keaton). Além da correria, Allen explora bem todo o contraste entre o personagem certinho dos tempos ‘atuais’ com as pessoas do futuro e seus comportamentos ‘avançados’.

Obviamente, a premissa ajuda muito e tudo se torna motivo de piada, algo que para o público atual é alavancado pelo caráter barato da produção. Por mais que a produção tenha estourado seu orçamento inicial, Sleeper custou apenas US$ 2 milhões (para efeitos de comparação, The Exorcist, lançado no mesmo ano, custou quatro vezes mais, enquanto Papillon chegou aos US$ 12 milhões).

Aliás, o orçamento limitado também impediu que o filme fosse filmado em Brasília, como era a intenção inicial do diretor. Embora eu tenha gostado dos cenários (que remetem levemente à arquitetura de Oscar Niemeyer), preciso admitir que essa é uma ideia fantástica. O visual futurista baseado nos anos 1960 lembra o que vimos em produções como 2001: A Space Odyssey e combina perfeitamente com esse mundo ditatorial influenciado por George Orwell.

A propósito, por mais que seja uma produção de riso fácil e piadas bobas, Sleeper não é um filme burro. O texto – escrito pelo cineasta em parceria com Marshall Brickman – usa conceitos interessantes da ficção científica, mas sem se comprometer demais com o gênero. É, praticamente, uma mistura de paródia com homenagem (fica difícil escolher qual termo é o mais apropriado). De qualquer modo, isso não impediu que o filme recebesse um Hugo Award e um prêmio da Science Fiction and Fantasy Writers of America, ambos na categoria de Melhor Apresentação Dramática.

Sleeper poderia ser uma única piada que se estende até formar um longa-metragem, mas traz um cenário criativo que é muito bem explorado. Há os absurdos típicos do diretor, principalmente nessa fase de começo de carreira, mas tudo parece estar na medida correta. Por mais que o filme não seja dos mais lembrados atualmente, na época ele foi essencial para estabelecer o status de Woody Allen na indústria cinematográfica. E vamos combinar que ele está conseguindo se sair bem até hoje.

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